2 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Coragem de dizer

Grandes verdades em pequenas frases.

Foto: Hélvio

Desde que o garoto da fábula apontou para a bunda do soberano que desfilava pomposo e gritou aquilo que todos viam, mas temiam dizer – “o rei está nu!” –, sabe-se que certos ditos afamados têm a coragem como ingrediente principal. Aristóteles já tinha alertado aos quatro cantos que “a coragem é a primeira das qualidades humanas porque é a virtude que garante todas as outras”.

Às vezes, basta uma pequena frase para sustentar uma verdade irrefutável em meio a um turbilhão de mentiras. O astrônomo, físico e engenheiro Galileu Galilei era perseguido pela Inquisição por causa das pesquisas na área da astronomia. Suas constatações inovadoras incomodaram tanto os sábios oficiais e juristas da época que acabaram levando-o a um tribunal.

No banco dos réus, Galileu foi obrigado a renegar completamente o preceito de que o Sol fica parado no centro do universo e a Terra se move. E também “proibido de sustentar, ensinar ou defender tal ideia de qualquer maneira, seja oralmente ou por escrito”. Sem escolha e sob risco de ir pra fogueira, Galileu concordou e repetiu o que os togados arrogantes exigiam.

Porém, ao sair, disse baixinho a célebre frase: “Eppur si muove”, significando “mesmo assim, se move”, referindo-se aos movimentos de rotação e translação da Terra em torno do Sol. Bravo, bravíssimo!

Séculos depois, o francês Voltaire, mestre das críticas ferinas e bem-humoradas, teve a coragem de colocar a liberdade acima dos antagonismos, coisa rara hoje em dia. E mandou ver sua notável sentença, frequente em discursos, debates políticos e aulas de direito: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”.

O conceito de democracia já inspirou estadistas, filósofos e pensadores que tentavam defini-la, defendê-la ou questioná-la em poucas palavras. “A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”, disse Churchill. Porém, cuidado: substantivos como “democracia” ou “fascismo” também podem ser usados para iludir. Depois da Segunda Guerra, os comunistas se apossaram do Leste Europeu, incluindo metade da Alemanha, que recebeu o nome de República Democrática Alemã.

Tão “democrática”, que a economia era totalmente controlada pelo Estado; os cidadãos não tinham direito a voto ou passaporte; as liberdades de expressão e de ir e vir eram negadas e punidas com prisão, tortura e execução a cargo da Stasi, a truculenta polícia política. Todos viviam subjugados, caladinhos e morrendo de medo nessa “democracia”. E – pasmem! – o Muro de Berlim era chamado pelo regime comunista de “Antifaschistischer Schutzwall” – “Muro de Proteção Antifascista”, traduzido do alemão.

“Quando a liberdade de expressão nos é tirada, logo poderemos ser levados, como ovelhas silenciosas, para o abate”, lembrou George Washington. Já um gaiato menos ilustre soltou esta: “Existe liberdade de expressão, mas nem sempre é garantida a liberdade após a expressão”. Pois é: ao longo da história, aprendemos que a censura quase nunca é usada para impedir a proliferação de mentiras. Pelo contrário: ela gosta mesmo é de sufocar verdades.

Elon Musk – aquele cara que até faz foguete pousar de ré – reforçou que “a liberdade de expressão só é relevante quando pessoas que você não gosta dizem coisas que você não gosta”.

Musk está em pauta fazendo denúncias corajosas e incômodas sobre a liberdade de expressão no país. O ministro Barroso respondeu que “qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição”. Pergunta: o mesmo critério se aplica às decisões da Justiça, ministro? Está valendo o artigo 220 do 2º parágrafo da Constituição: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”?

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

    1 Comentário

    • Rute Abreu de Oliveira Silveira 15 de abril de 2024

      Boa tarde, Fernando.
      Amo os seus textos.
      Sinto como que, se eu tivesse esse seu dom da escrita, queria ter escrito exatamente o que você escreveu.
      Parabéns.
      E eu gostaria muito de cumprimentar o ” sábio” que disse: “…mas nem sempre é garantida a liberdade após a expressão”. Perfeito.
      O objetivo é mesmo o de sufocar a verdade para a ” mentirinha do bem” prevalecer.
      Tempo dark esse em que vivemos.
      Até o seu próximo texto.
      Rute Silveira.

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