8 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Carnaval das fantasias

Outra vez, a grande ilusão colorida.

Foto: Acir Galvão

Sábado passado fui ao hospital Semper visitar um amigo que está internado. De repente, o prédio tremeu. Opa! Terremoto? Que nada: era apenas uma gigantesca carreta de trio elétrico aquecendo as caixas de som e microfones bem na Afonso Pena, defronte ao parque. Ainda era ensaio, mas o irresponsável bombardeava a área hospitalar com milhares de decibéis infernais, como se fosse algo normal. Algum burocrata permitiu: “Ali, pode”.

Achando pouco quatro dias, o Brasil esticou o Carnaval para outros tantos. Trata-se de mais uma prova de que vivemos um estranho tempo, quando o supérfluo – festas, gastanças, bebedeiras, ócio e populismo – mais uma vez se sobrepõe ao essencial: responsabilidade, trabalho, seriedade no trato das verbas públicas etc. São essas comparações que comprovam a dramática diferença entre países que dão certo e republiquetas bananeiras. O povão vive das fantasias de ficar à toa, beber cerveja, dançar e soltar foguetes quando o time do coração vence – enquanto o país despenca no que é importante.

E assim Belo Horizonte novamente para ao som dos tambores e da música baiana, atravancada por multidões de jovens que abandonaram suas cidades, o conforto de seus lares, o aconchego amigo de seus vasos sanitários e vieram fazer xixi, cocô e vomitar aqui. Isso é marketing inteligente, senhores; captaram o brilhantismo da estratégia político-mercadológica?

Profissionais liberais não chegarão aos seus postos de trabalho, como vários médicos me disseram. Idosos, enfermos e solitários dependerão da ajuda improvisada de vizinhos para alimentação e cuidados. Portarias de prédios serão bloqueadas; impossível entrar ou sair durante os dias de caos. Até quando vamos suportar tanta insolência e desrespeito? É hora de devolver tais desaforos e acionar a prefeitura na Justiça, exigindo preservação dos direitos mínimos de locomoção, paz e segurança na cidade onde vivemos e pagamos impostos.

Enquanto a coisa não se resolve e já que o Carnaval ficou politizado, sugiro algumas fantasias bem alinhadas com a realidade nacional. A de “Rombo”, por exemplo. Vista uma túnica bem esburacada, tendo na frente o texto “Superávit de R$ 51 bi em 2022” e, nas costas, “Rombo de R$ 230 bi em 2023”, mostrando que, entre um Carnaval e outro, pouco mais de 12 meses já foram suficientes para o atual ocupante do Alvorada promover tal desastre nos cofres da nação. Outra legal é a da “Baleia molestada”. Improvise um jet-ski de papelão e comece a circular entre homens e mulheres dotados de tecido adiposo exagerado. Porém, cuidado: como estamos no país dos absurdos jurídicos, pode até dar processo. Tem ainda a “Roubei, sim, meu fio”; basta enrolar-se em metros e metros de fios de cobre furtados dos postes da cidade e assim chocar as elites. Finalmente, para completar, a mais simples: carregue baldes cheios d’água e saia pelas ruas e avenidas encharcando as roupas – é a “Bela enchente de Belô”, a preferida de milhares de vítimas abandonadas pelos gestores municipais.

Estou seguro de que mais da metade da população odeia esse novo e nauseante Carnaval belo-horizontino. Vamos lá, contribuinte: vocês gostam de cercar jardins, fachadas e vitrines às próprias custas para evitar prejuízos causados pela educação e civilidade dos foliões? Pacatos cidadãos: vocês desejam as portarias de seus prédios livres, leves e soltas? Curioso é que nenhum prefeito teve o cuidado de realizar uma pesquisa assim para saber a opinião geral da comunidade. Claro: o resultado pode ser contrário à demagogia reinante nos círculos de poder.

Carnaval desse jeito já deu; chega. Sem reações, o bloco da cara de pau, da incoerência e da irresponsabilidade continuará rindo de nós e fazendo-nos de palhaços.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *