3 de maio de 2024
Carlos Eduardo Leão Colunistas

“O Holocausto Brasileiro no Museu da Loucura”

“Este livro é dedicado a milhares de homens, mulheres e crianças que perderam a vida num campo de concentração chamado Colônia”

Esta é a dedicatória que a consagrada jornalista Daniela Arbex inicia o épico “Holocausto Brasileiro” que conta a história do primeiro hospício brasileiro, transformado em documentário homônimo que estreou na Netflix no último domingo, 25/02, e que começa com a frase “É muito estranho você imaginar um hospital que já tinha acoplado a ele um cemitério”, dita por um dos entrevistados do curta.

O resgate da memória histórica baliza o compromisso que todos devemos ter com tudo que diz respeito à nossa evolução como povo e nação.
Assim sendo, não há possibilidade de evolução naquela nação que não preserva o seu passado, os seus costumes, os seus heróis, enfim, a sua verdadeira história.

E nessa ordem de ideia surge a figura do museu que, sem dúvida, é o maior guardião da memória social no mundo contemporâneo. É nele que encontramos todo um acervo, disposto num espaço, que nos leva a pensar e refletir sobre o passado, o presente e o futuro.

Essas reflexões são fruto de uma visita que fiz ao Museu da Loucura, anexo ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena – o “Colônia, na charmosa cidade homônima, ambos mantidos pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG, o qual recomendo aos que me leem, principalmente pela riqueza histórica de seu triste e emblemático acervo, bem como o recém lançado documentário dirigido por Armando Mendz e pela própria autora.

A história da psiquiatria brasileira no final do século XIX e metade do XX escreve uma triste página na medicina aqui exercida. Confunde-se com uma época a ser esquecida dessa extraordinária especialidade médica nos quatro cantos do nosso mundo, muito pelo despreparo e desconhecimento que faziam dos “alienados”, verdadeiras escórias da humanidade.

A loucura é o “câncer” da mente e o louco é, antes de tudo, um doente social, rejeitado desde sempre pela sociedade que quer vê-lo afastado do seu convívio, de preferência em hospícios longínquos, destinos certos desses desafortunados normalmente esquecidos pela família até a morte.

Para Barbacena, na transição dos séculos citados, eram transportados os doentes mentais de todas as partes, trazidos pelos famosos “trens de doido”.

Internavam-se no único hospício do Estado e um dos poucos do país e logo se transformariam em figuras grotescas de corpos arruinados pelo descaso, pelo despreparo, pelo desamor, ou ainda, pelo eletrochoque e pelas lobotomias, pretensos tratamentos para acalmar estes infelizes, cujos corpos rejeitados eram vendidos para as Faculdades de Medicina onde, paradoxalmente, cumpririam o mais sublime dos destinos: dar a nós, médicos, o substrato necessário para a evolução, principalmente para a reversão da inconsequência.

Muito importante numa visita a um museu é a capacidade de percepção que o visitante deve ter sobre o que pode ser comemorado, lembrado, silenciado e esquecido. Isso leva, inexoravelmente, às dúvidas e questionamentos que permeiam as mentes dos aficionados na história contida nos mais diversos museus.

E não é diferente quando se fala no Museu da Loucura.

Inaugurado em agosto de 1996, ele cumpre uma função social importantíssima ao perpetuar, reitero, uma triste história contada pela, hoje, extraordinária psiquiatria brasileira que esbarra na dimensão desumana do descaso, do desrespeito e, sobretudo, com a falta de amor com aqueles que padeciam dessa verdadeira “neoplasia maligna” da mente – a loucura.

A concepção excludente da doença, latu sensu, dimensiona o mundo da dor que encontramos em cada espaço desse importante museu na história que conta da instituição psiquiátrica brasileira do século passado.

Cumpre assim a importante missão de mostrar um passado doloroso e, ao mesmo tempo, uma edificante estratégia de esforço para que isso nunca mais aconteça, descortinando assim um futuro radiante e digno para aqueles que sofrem com os transtornos insondáveis da mente.

O Museu da Loucura e o documentário “Holocausto Brasileiro” completam-se, portanto, na razão maior do imprescindível conhecimento histórico desse triste fenômeno de destruição e exclusão socioeconômica sistêmica acontecido no Brasil do início do século passado e que deu fim a mais de 60 mil infaustos brasileiros.

Carlos Eduardo Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

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