
Há muita gente inquieta no Brasil. Ninguém consegue responder sobre o dia de amanhã, no país em que “até o passado é imprevisível”. Vai do rés-do-chão ao Supremo. Agricultores que gravam, chorando, o mamão maduro que atiram ao chão, a manga madura que não vendem, o arroz despejado diante do Banco do Brasil, ao Supremo onde se consomem copos e copos d’água para molhar a garganta em faces umedecidas de lágrimas, com emoções que chegam a bate-boca entre Gilmar e Fux.
Também atinge o Palácio do Planalto, depois que Lula ouviu o relato de seu ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, sobre o que lhe disse Marco Rubio na reunião a sós. A reação química se desfez em fumaça dia seguinte ao relato de Vieira; Lula reagia diante de uma plateia em São Bernardo, dizendo que “nunca mais um presidente ousa falar grosso com o Brasil, porque a gente não vai aceitar”. A química deu espuma da raiva.
No rés-do-chão foram além das lágrimas e da raiva; em solo gaúcho, 25 brasileiros renunciaram à vida, desesperados pelas dívidas impagáveis do plantar e colher. No alto da torre de marfim, o ministro Barroso tampouco aguentou e desertou, saindo antes da hora. Os nativos que estão inquietos talvez devessem começar se perguntando em quem votaram; outros, como o ministro Barroso, que planeja ir para um retiro, uma meditação, deveriam analisar-se sobre o que têm feito. No Supremo, os oito que já não podem entrar nos Estados Unidos sentiram o que é arbítrio. Só que o visto cancelado é um arbítrio administrativo, da vontade legal e legítima da autoridade de um país; diferentemente do arbítrio no Judiciário, que é inadmissível dentro do devido processo legal, em que um juiz deve ser neutro, isento, e tem de ser o juiz natural da jurisdição de alguém, não tem iniciativa de ação. A sanção veio de um país cujas leis são modelo de democracia, direitos humanos e liberdade de expressão. Aqui também temos uma Constituição com esses princípios, e prolixa o suficiente para evitar interpretações que se opõem ao que está escrito. Uma Constituição para ser seguida literalmente ao pé da letra.
Os nativos estão à beira de um ataque de nervos. O presidente da República diz, na cara do presidente da Câmara de Deputados, que “esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível que tem agora”. Nos últimos 50 anos nunca ouvi algo assim aqui em Brasília, o chefe do Executivo referir-se assim ao mais importante dos poderes, que é o congresso dos representantes do povo. Seguindo a conduta dos presidentes de casas do Legislativo, Hugo Motta apenas ouviu, passivo e inquieto. O Legislativo ensaia reações, como aprovar urgência para o projeto de anistia, mas a urgência foi em 17 de setembro. Se fosse uma compra com entrega urgente, já estaria enquadrada na Delegacia do Consumidor.
Parece que estamos todos nos enganando, fingimos acreditar quando sabemos que são deslavadas mentiras. Repetidas na mídia, mentiras ganham um verniz que lhes dá brilho, mas nunca se transformam em verdade. Testemunhamos condenações que não se baseiam em fatos, mas em criações. Mas, pelo menos, sabemos. Os que nos mentem talvez não queiram nem sequer pensar que sabemos que mentem. Mas nos enganam, e vamos pagando impostos para sustentar um Estado que não nos retribui com bons serviços públicos. E vamos ficando inquietos como eles. O resultado é um país inquieto, que tinha tudo para deitar tranquilo nesse berço esplêndido.
Fonte: Gazeta do Povo

Jornalista, apresentador e colunista de política.
