6 de maio de 2024
Adriano de Aquino Colunistas

Texto certeiro de Fernando Schüler

Um texto tão certeiro sobre o conturbado clima emocional que hoje vivemos é um bálsamo para quem ainda preza o livre pensar.

Diante de textos assim me sinto compelido a comentar. Aliás, já comentei aqui um texto do Paulo Cursino que tinha a mesma pegada (a inutilidade de se dizer qualquer coisa sobre o óbvio ululante) desse do Fernando Schüler. Ou seja, na alvorada das ditaduras, a temperatura emocional se eleva de formas diversas por todo tecido social e os confrontos surgem de toda parte.. Há aqueles que a defendem mas negam a natureza autoritária dos comandantes do regime que se instala.

Auto intitulados “intelectuais” (artistas, jornalistas,professores, etc) que apoiam a censura e punições severas a quem se manifesta contra o arbítrio em curso, acham necessário “uma freada de arrumação” no coletivo para que a “nova ordem” reine soberana e o inimigo seja extirpado.

Nesse contexto, tanto Fernando, como Cursino e eu mesmo, sabemos que a aparente hegemonia da casta intelectual, que tem prevalência nos meios de comunicação, ainda que tenha interesse comum em derrotar definitivamente um opositor político e seus seguidores rotulados fascistas(sic), usando como trincheira a defesa da democracia, é uma síndrome episódica.

Mais cedo do que se imagina o ‘novo regime’ esclerosa e, aqueles que o apoiaram taticamente, começam a perceber o engano. Isso é tão certo como o dia que sucede a noite. Não há na história exemplo edificante do uso seletivo da censura e do arbítrio institucional.

Quando a face oculta, por trás da defesa da democracia, começar a revelar seu verdadeiro perfil, a fenda da precária estrutura democrática se expandirá em todos os sentidos e eles que hoje se abrigam na falácia das manipulações políticas também serão alvos do arbítrio que antes acreditaram ser a tábua de salvação.

“A esta altura do jogo, não acho que valha muito a pena fazer longas considerações sobre o sentido do estado de direito, sobre o quanto é absurdo e inaceitável que a Justiça tome partido, que direitos individuais sejam tão escrachadamente violados, que a censura prévia seja banalizada, e tudo o que todos estão cansados de saber. (…)

Diante do estado de coisas a que chegamos, há diferentes atitudes. A primeira é dos entusiastas. A turma que saliva por entre os caninos a cada inimigo banido, preso, seja o que for. Dias atrás li um desses. “Não é hora de recuar”, berrava, abusando dos pontos de exclamação. É difícil saber o tamanho exato dessa turma, mas ela parece majoritária, nos meios de opinião. Para essas pessoas, coisas como “estado de direito” ou “tipificação legal” não passam de conversa pra boi dormir, como escutei de um ativista, em um dia nervoso. Desde que o mundo é mundo, a paixão militante soube justificar qualquer coisa. Não conheço um só episódio, na história, em que se praticou a censura em nome da censura. Os motivos sempre foram os melhores. A nação, a liberdade, a própria democracia. Não há propriamente originalidade no caso brasileiro.

A segunda atitude é a do medo. Quando um deputado é banido das redes, por uma decisão de ofício, qual o efeito que isso produz em seus pares? Quando os constituintes criaram o estatuto da imunidade parlamentar, era exatamente para que um deputado pudesse falar sem medo. Vale o mesmo para o jornalismo, e para qualquer cidadão, que ganhou o poder de palpitar em uma rede social. Nos tornamos a democracia do chilling effect, o “efeito inibidor”. O jurista ilustre para quem você liga lhe dá uma visão bastante crítica sobre todos esses temas, mas ao final diz, algo constrangido, “só não me cite, por favor”.

Ainda outra atitude, cada vez mais comum: a indiferença. A agressão a direitos, em um primeiro momento, causa indignação. Sua repetição, porém, nem tanto. Torna-se status quo, e vamos nos ajustando. Isso é comum em longas ditaduras. Alguém por acaso dá bola para presos políticos cubanos? Acompanho seu drama, em sites precários, aos quais ninguém mais presta muita atenção. Em democracias que deslizam para o iliberalismo, isto não é muito diferente. Baniram o Guilherme Fiuza? Aquele que escreveu Meu Nome Não É Johnny? E daí? Pois é. Isto tem lá sua racionalidade. Bancar o herói, numa época difícil, pode ser uma atitude de risco. Melhor ficar escondido, por aí, nos grupos de WhatsApp, mudando de assunto, apostando em alguma forma de autoengano.

Há ainda uma última atitude, dada pela insistência calma em certos princípios. Não é preciso ser nenhum herói para fazer isso. Basta fica de pé. Resistir ao frenesi militante e suas bizarrices, e a toda forma de abuso de poder. (…)

Não precisamos de heroísmo algum, apenas de pessoas que se disponham a ficar no mesmo lugar. Permanecer impassíveis, em meio ao transe coletivo, nos lembrando de que a lei deve ser preservada, de que a opinião, detestável que seja, deve ser livre, que ninguém está acima dos direitos inscritos na Constituição, de que o juiz não pode entrar em campo para derrotar este ou aquele lado do jogo. Coisas elementares que definem uma boa democracia, e das quais definitivamente não deveríamos abrir mão.”

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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