Só me encanto com obras arquitetônicas, esculturais e pinturas Barrocas depois que envelhecem. Quando a pátina do tempo reveste essas obras, eu as admiro na sua plenitude exuberante.
Dois fatos me levaram a essa conclusão.
O primeiro fato se deu quando visitei uma exposição com trabalhos de um laboratório de restauração do patrimônio artístico da Grécia clássica e vi modelos e maquetes da cidade de Atenas no período áureo. O impecável detalhamento histórico, técnico científico daquele patrimônio me informou sobre aspectos da vida naquele tempo mas me decepcionou.
Porém, logo me conformei com a ideia de que nenhum administrador moderno teria ousadia e poder para por Atenas abaixo e reproduzir sua versão áurea. Eram assim.Mas é recomendável que não voltem a ser o que eram.
A remoção dos mistérios do tempo, diluiu meu imaginário sobre as sucessivas ocorrências da história agregadas aos monumentos, hoje em ruínas, em obras chamativas, revestidas de pinturas com cores vibrantes, como deviam ser na época.
Saí de lá com a triste impressão de que os arquitetos do McDonald’s, os designers de toda parafernália publicitária em neon, telões de leds e as histéricas vitrines do comércio de rua que poluem as cidades modernas, foram projetados por reencarnações de arquitetos e urbanistas gregos da antiguidade.
Tudo bem!
Nem todo mundo pensa assim e os historiadores preferem documentos abalizados aos meus pitacos existenciais sobre Arte, o mundo e a vida.
O mesmo aconteceu com a visita ao Vaticano, logo após a restauração da cúpula pintada por Michelangelo.
Séculos de fuligem de velas e poluição revestiam a magnifica obra. Os habilidosos e competentes restauradores removeram esses detritos, recuperaram perdas de matéria e croma e a restituíram ao seu aspecto original.
No cantinho da Basílica dei de cara com Michelangelo e trocamos umas palavras.
Ele admitiu que iniciativa era bacana. Porém, se pudesse, refaria alguns trechos da pintura restaurada.
Falei para ele que o restauro não me encantou. Expliquei meus motivos.
Para mim, o restauro fez outra obra, removeu camadas de fuligem e tempo e parte do meu encanto pela sua pintura em progressiva transformação.
Sua pintura foi impregnada por séculos de sucessivas películas de fervorosa poeira.
A última versão que vi, antes da restauração, até hoje pulsa na minha memória.
Entendo! Eu sabia que seria assim!
Então! Se você já contava com isso, também deve estar decepcionado. Sua obra foi paulatinamente, por séculos, sendo escurecida por partículas emanadas das velas dos fieis.
Esse revestimento posterior não é só uma simples sujeira. Ele guardava os mistérios da vida e do tempo.
Por séculos agregou, com mais sinceridade do que a dos sucessivos papas, as histórias de toda gente que orou aqui embaixo. Ajoelhados no chão, olhando para cima, suplicando pela atenção de Deus e se sentiu, por breve momento que fosse, atendido, abrigado sob a cúpula divina que você pintou, envolvido pela sua obra, como aquela senhora está fazendo agora. Ela parece estar vendo Deus.
Ele concordou, com uma pequena ressalva.
Você é muito novo. Os restauradores podem não ter atendido sua expectativa. Porém, atenderam às referencias dos historiadores e dos estudiosos de hoje, assim como, muito antes de você, a curiosidade e interesse dos pintores e artistas do Barroco, bem posteriores a mim, que viram minha pintura mais limpa, com cores mais vibrantes do que você viu antes da restauração e nelas se inspiraram.
Foi um prazer falar com você.
Eu também! Abraços.
Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial “Em Busca da Essência” Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.