Como já fui vacinado há muito tempo contra o ‘novo normal’ – fenômeno em expansão desde os primórdios da cultura digital, que deu vida e protagonismo ao psicologismo do ‘status virtual’ – um segundo ser – não me espanto com mais nada.
Uma coisa a se destacar na cultura digital é que, mesmo todo conhecimento amplamente difundido por esse meio, pouco alterou a capacidade de muitos indivíduos em abstrair temas complexos, levando-os a trazer para si todas as contradições da sociedade e da política, reagindo estupidamente a tudo ou qualquer ideia que os ameace.
Falando de política, falam de si mesmos, o que desejam, o que os ameaça e vice versa.
Esses status virtuais adotam e compartilham sem titubear qualquer ismo adotado pelo ‘mainstream’.
Do nazismo ao fascismo. Do comunismo ao entreguismo, do genocídio ao conformismo, do negacionismo ao cientificismo. Qualquer rótulo serve para colar na bandeira da Revolta do Teclado.
As redes sociais são o campo de batalha onde as tropas virtuais se confrontam nas mais ridículas batalhas.
O ‘front’ que deseja a queda imediata do presidente eleito todo dia dispara ‘bit misseis’ contra o governo e os que o defendem.
A diferença entre combates reais das contendas virtuais é que a segunda se funda na fé cega no poder do teclado que faz feridos de brincadeirinha e os que morrem, morreram porque foram bloqueados.
Há, é claro, campos virtuais onde a inteligência, a beleza, a crítica bem embasada, argumentos bem construídos e ideias originais são tréguas profícuas para a reflexão do navegante independente.
São como oásis no deserto virtual.
Porém, a grande maioria dos usuários apenas copia e cola as recomendações das lides dominantes em confronto.
Escrevi esse treco todo para prevenir as almas motivadas pela Revolta do Teclado de que o comentário que faço a seguir não tem conotação partidária.
Penso as questões do mundo sob o foco da razão que conduz à distensão entre os povos e as culturas do mundo.
Rejeito o sentimentalismo de viés político.
Ao compartilhar minha opinião sobre a negociação do ex-presidente Trump com o governo do Afeganistão, para a retirada das tropas americanas do território afegão, não significa que eu entenda todas as complexas nuances que levam um líder a buscar a distensão da política externa dos EUA.
O assunto é por demais complexo.
Contudo, uma coisa é certa: encerrar uma longa intervenção militar que repercute em insegurança global, é uma medida positiva adotada por Trump, goste você ou não da figura.
Assim como considero negativo o plano de Washington, traçado pelo governo Biden, ao exigir que o governo eleito do Afeganistão seja substituído por um governo interino, condição básica para se retomar as negociações de janeiro de 2020, para a retirada das tropas americanas do território afegão.
O que se pretende com essa exigência?
A primeira coisa que me passa pela cabeça é o que resultará da rescisão de itens do acordo firmado por Trump/Ghani. Os dois concordaram que em 1º de maio, após quase duas décadas de intervenção militar, as tropas americanas abandonariam o território afegão.
A primeira coisa feita por Biden foi paralisar as negociações.
A agencia Reuters informa que o enviado especial dos EUA, Zalmay Khalilzad, está divulgando uma proposta que substituirá o governo de Cabul por um governo interino.
Mas Ghani expressou oposição veemente a qualquer solução que exija que seu governo se afaste dos sucessores não eleitos.
“A contraproposta que apresentaremos na reunião de Istambul seria convocar eleições presidenciais antecipadas se o Taleban concordar com um cessar-fogo”, disse um alto funcionário do governo sob condição de anonimato.
Outro funcionário do governo afegão disse: “O presidente nunca concordaria em se afastar e qualquer futuro governo deve ser formado por meio de um processo democrático, não de um acordo político”.
O vaidoso Biden pretendeu exibir ao mundo sua disposição jovial ao tentar subir saltitante a escada do US Air Force One.
Tomou duas tropeçadas e um tombo.
Easy, Biden!
O fato motivou várias manifestações de sentimentalismo político. Uns caíram na risada. Outros ficaram com dó do velhinho audacioso.
Todavia, tropeçar e derrubar um acordo de grande gravidade é mais doloroso que uma manchinha roxa na perna de um ancião.
Pode reativar mais ainda a insegurança do mundo, levando a morte milhares de crianças, jovens e velhinhos desprotegidos.
Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial “Em Busca da Essência” Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.