Bom que O Boletim está em minha vida. Tenho tido problemas pra escrever mas estou trabalhando muito, e neste último mês, o “muito” foi “bastante”.
Foi de muito trabalho, isso sim! E não sintam pena de mim. Amo trabalhar, mas vou confessar um segredinho: às vezes, não faço a menor ideia da metade das coisas que me pedem e aí eu penso “Por que justo eu?”.
Iniciei meus trabalhos no banco há seis semanas e durante este período eu, assim como todos que iniciam uma nova profissão, tive que aprender tudo do zero, não só os procedimentos do sistema de informática como a legislação financeira do Reino Unido, sem contar a língua!
Não pense que falar inglês em Londres é fácil. Ou melhor, falar até que é, entender é que é jogo duro. Quando o cliente desembesta a falar, com um “sotaque” totalmente indecifrável para meus pobres ouvidos recém-acostumados ao inglês britânico (quanto mais ao inglês britânico-indiano-chinês-paquistanês-etc, como um com um acento diferente), eu faço aquela cara de jogador de pôquer. Totalmente inexpressiva e indecifrável. Não dou pista alguma de que não entendi patavina e jogo a culpa no período de treinamento.
“Vou tentar ajudá-lo ao máximo possível, mas como estou em treinamento preciso buscar algumas informações. Para que eu entenda corretamente, poderia repetir, por favor?” A partir daí eu começo a tremer, mas ninguém percebe. Com sorte, o cliente vai entender e repetir, vagarosamente, o que me dará alguma vantagem. Se for um daqueles dias de azar (e, claro, eu atraio este tipo de coisa), o cliente vai ficar irritado e falar ainda mais rápido. Aí, ferrou. “Por que justo eu?”, penso novamente, acrescentando “O que eu estou fazendo aqui?”.
Respiro fundo e penso na minha filha. Um dia, estava lhe contando sobre meus apertos no trabalho e ela saiu com isso: “Mãe, quando eu entrei na escola, eu não entendia nada (e era nada mesmo, coitadinha). Aí, eu pensei: Cléo, você vai morar em Londres durante muitos anos. Vai ter que aprender esta língua, então, põe o cérebro pra funcionar e aprende!”. Se uma criança pode enfrentar uma situação como esta por duas vezes (lembrem-se que ela precisou se adaptar ao italiano e a uma nova escola aos três anos e meio e, de novo, a um novo país, novo idioma e novos amigos, aos sete), eu também posso.
Ainda com a expressão indecifrável, vou ao meu colega mais próximo e abro o jogo “Não estou entendendo o que o cliente quer. Você pode me ajudar?”. Neste momento eu agradeço aos céus por estar em Londres. Meus colegas, incluindo meu gerente, são muito pacientes, educados e abertos. Não tem tempo ruim, não tem cara feia nem prejulgamento por eu ser estrangeira. Aliás, dos mais de vinte funcionários na agência, creio que apenas cinco ou seis sejam britânicos puros. O resto é imigrante ou descendente de imigrante, como grande parte da cidade.
No final do dia, volto pra casa exausta mentalmente, mas feliz e na certeza de que aprendi hoje muito mais do que aprenderia em um curso intensivo de legislação financeira, inglês ou de atendimento ao cliente.
E, para encerrar, fiz minha prova de conclusão de curso, na terça-feira (dia do meu aniversário) e adivinhem. Passei! Agora, estou pronta para atender os clientes em minha própria estação de trabalho nas mais variadas necessidades.
Ou, pelo menos, eles pensam que estou… Deixe que pensem. Eu sempre dou um jeito de driblar a minha ignorância. E viva o “poker face”!