2 de dezembro de 2024
Colunistas Erika Bento

A beleza de ser inconsequente

Mais um mês se passou desde o pequeno incidente, quando eu tive um mini AVC. A vida continua bela, cheia de momentos mágicos e outros nem tanto, mas é assim que tem que ser. Altos e baixos fazem a harmonia. É inevitável que um evento como este coloque tudo sob uma perspectiva diferente e, dentre esta nova ótica, tenho me perguntado se um pouco de inconsequência na vida adulta também é necessário.
Obviamente, a pessoa que sou hoje é um pouco diferente da que eu era aos vinte anos de idade. Sou mais tolerante, menos anarquista, mais tranquila e segura de quem eu sou e o que eu quero para a minha vida (e, principalmente, o que eu não quero). Porém, há aquela centelha da juventude ainda que fica ali, crepitando, lembrando-me dos tempos em que eu sorria mais largamente e vivia o presente como se o futuro fosse algo garantido e duradouro. Aprendi que o futuro não é nem uma coisa nem outra e isso me deixa frustrada, limitada, como se estivesse dirigindo com o freio de mão puxado.
Aos finais de semana, saía com as minhas amigas, tomava umas e outras, fumava, passeávamos de carro por horas ouvindo música, cantando e conversando. Fui atrevida o suficiente para tirar uns rachas de moto e de carro, vez ou outra. Também dirigia moto com as mãos fora do guidão enquanto eu e uma das minhas amigas corajosas que estava na garupa, cantávamos e dançávamos, exalando aquela energia explosiva de felicidade.
As baladas (nem sei se ainda se chamam assim) era regadas de álcool (não muito porque eu era sempre a motorista da turma), tabaco e paqueras. Ah, os paqueras (ainda se chamam assim também?)… Quantas noites chorei debruçada na dor da rejeição, achando que eu ficaria sozinha para sempre, que eu não era bonita o suficiente, “descolada” como as outras garotas, ou magra o bastante. Destas inseguranças, eu não sinto falta, mas quanto ao restante, ah… Que saudades da doce inconsequência da juventude.
E mais… Só os fumantes entenderão, mas quando você para de fumar, abdica de uma parte da sua personalidade. Acredito que seja assim também para quem conseguiu superar qualquer outro vício que fez parte da sua persona por tanto tempo. Hoje, me sinto limitada, um controle sufocante o tempo todo. Sim, há vezes em que eu queria ser inconsequente de novo. Sair com uma turma de amigos sem pensar no amanhã, mas aos meus 53 anos, não fumante, praticamente sem ingerir bebida alcoólica e dormindo às dez da noite, esta aventura dos sonhos seria mais um pesadelo.
Dois copos de cerveja me derrubariam. Não haveria ninguém interessante que me atraísse o suficiente para me dar ao trabalho de começar uma conversa. Teria um acesso de tosse com a primeira tragada, e ficaria incomodada com o gosto amargo de nicotina na boca e o cheiro de fumaça nos cabelos e na roupa. E, a menos que fosse uma noite dos anos oitenta, eu não saberia cantar nem um terço das músicas de hoje. E é exatamente desta diferença que estou falando. No dia seguinte, provavelmente teria crise de dor na coluna e nas pernas, dor de cabeça e um arrependimento desastroso.
Mas desde quando o amanhã me impediu de viver o hoje? Quando passei a priorizar o seguro e abri mão da espontaneidade? Quando aquela chama de vida passou a ser apenas uma centelha? Ainda há tempo de reverter? Será que devo reverter? O quanto de mim quero reacender? Não seria isso o fluxo normal da vida? Sou jovem demais ainda para abdicar de tantos prazeres? São os meus novos hábitos os prazeres dos cinquenta anos?
Fico me perguntando… que chatice que é ter consciência dos perigos da vida.
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