16 de abril de 2024
Walter Navarro

Um chá no Sahara

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Semana passada prometi fazer a elegia e o elogio do Horário de Verão.
Promessa é dúvida!
Horário de Verão ou Temperatura de Verão?
Areias escaldantes. Porque, de novo, um assunto puxa outro.
Gosto do Horário de Verão, não pra contrariar. Mesmo porque chatos mesmo são estes que passam cinco meses reclamando do Horário de Verão.
Brasileiro deste País Tropical esquecido por Deus é muito mal acostumado. Reclama de tudo por nada. Acordar uma hora mais cedo parece o fim do mundo para este povo. Ora, não tem pão, come brioche. Se acordar uma hora mais cedo, basta dormir uma hora mais cedo também. Eu gosto, a cidade e as pessoas ficam mais animadas. Por mim este horário seria adotado permanentemente.
A gente se acostuma com tudo. E repito, o brasileiro está mal acostumado, com clima bom e generoso quase o ano todo. Isso pra quem não sofre com a seca, pra quem não sobrevive no sertão.
Morei em Paris seis anos. Nunca reclamei do dia amanhecer, às vezes 9h, 10h. De escurecer às 16h. Gosto das diferenças. É nesses detalhes que a gente percebe que está em outro mundo, outro país, outra vida, realidade. Viajar, morar fora serve também pra isso, para vivermos coisas inéditas, sair da mesmice. E o verão na Europa? Em Paris anoitecia às 22h… Uma delícia! E se em Paris é assim, imaginem o Sol da Meia Noite em invernos mais radicais! Não é no Polo Norte que a noite dura seis meses, como o verão inglês que cai num domingo, à tarde?
Coisas do verão, coisa do Brasil, sem as chuvas de verão, cada vez mais raras, infelizmente. E o Brasil tem isso, inunda onde não precisa, o Sul. E o Nordeste pegando fogo!
Só o Nordeste? Belo Horizonte está lembrando os deliciosos exageros de Nelson Rodrigues: “Um calor queniano de derreter catedrais!”. Que já adaptei para “um calor senegalês de derreter viadutos cariocas”. E depois que conheci a cidade do Panamá: “um calor panamenho de derreter canais e navios”. Sério, o calor que passei no Panamá… Daqueles de selva de Tarzan… E olha que nem era verão… E em Cuba? estive lá em abril, os cubanos me falaram que em junho, nem os nativos saem de casa…
Sou calorento, sou da glacial Barbacena, sofro com o calor e a luz. Mas prefiro assim. Claro que o ideal é calor com piscina e geladeira perto dela. Cercado de biquínis ínfimos por todos os lados…
Mas o calor tem outra coisa gostosa, a sensualidade das mulheres em roupas de verão, transpirando nucas e decotes, coxas e colos.
Aí é que mudo mais ou menos de assunto. Falei com uma amiga, Tatá, que ela me lembrava o rosto da estonteante atriz sumida, Jane March, estrela do filme “O Amante” (1992). Filme beirando o erótico, baseado no livro autobiográfico de Marguerite Duras…
E começamos a conversar, eu dando dicas de filmes em países eróticos e “exóticos”, como o Vietnã de “O Amante”, o Marrocos de “Casablanca” e “O Céu que nos Protege” (Um chá no Sahara, como foi chamado na França); a Índia de “Passagem para a Índia”; “O Paciente Inglês”, de novo no deserto africano; “Havana” em Cuba e até a Flórida de “Corpos Ardentes”. Mesmo que estes filmes tenham sido rodados em outros países ou em estúdio.
O cinema aproveita bem este misto quente de calor, sensualidade, chuva, erotismo, sexo, mistério, exotismo, perigo, crime, creme, castigo, suor. O calor, como o gelo são belos cenários, mas sexo num iglu deve ser complicado…
Taí, Tatá, vou escrever um livro erótico onde os personagens são afetados e influenciados, impulsionados, pelo Horário de Verão… Eu e você numa ilha deserta e do tesouro, eu lá embaixo te vendo subir no coqueiro… Tatá na areia à milanesa… Banho de lua, mas sem piratas… Aquele clima de “Houve uma Vez um Verão”… “A Praia”, mas sem Leonardo Di Caprio…
E a trilha sonora será João Gilberto cantando “Estate” na nossa choupana de sapé: “Estate sei calda come i baci che ho perduto/Sei piena di un amore che è passato/Che il cuore mio vorrebbe cancellare/Estate/Che hai dato il tuo profumo ad ogni fiore/L’estate che ha creato il nostro amore/Per farmi poi morire di dolore”.
Detalhe da nossa ilha deserta: perdemos todas as roupas no naufrágio, a única coisa que veio dar na praia foi um protetor solar pra passar nas tuas costas, aí você vira e… deixa pra lá…
PS: Confissão de um ignorante. Durante anos cantei esta música sem saber que “estate” era “verão”. Como descobri? Numa primavera na Toscana, fotografando o vaso de flor que ilustra esta crônica. Eram quatro vasos, em cada um o nome de uma estação… Quem sabe escrevo sobre os horários de primavera, outono, inverno…!

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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