28 de março de 2024
Walter Navarro

A trilogia suja, imunda e bonitinha de Havana Club


Quem é Juan Pedro Gutiérrez perto de mim? Um simples cortador de cana… Reles sorveteiro, ulgar jornalista, pintor de domingo, escultor de segunda, escritor de quinta… Como eu!
Vocês não querem que eu fale da greve do metrô em BH, né? Pra começar, nem metrô aquilo é. Um simples, reles, vulgar trem de superfície, de domingo, segunda e quinta.
Pra falar a verdade, comparadas ao mundo, nem as cidades de Rio e São Paulo têm metro decente.
Melhor falar do metrô de Havana, Cuba, que conheci mês passado.
O problema é que Havana não tem metrô. Só carro velho e acabado, como eu… Os ônibus são do tempo do onça. Os mais novos são chineses. A China é o único país que fura o bloqueio comercial americano a Cuba, pode vender o que quiser pros cubanos e os americanos fazem nada. Como o resto mundo, que não é pouca coisa, todo mundo tem medo de Virginia Wolf e da China. Ninguém desafia a China, militar e muito menos economicamente.
Fidel e seus asseclas, defendendo a miséria de Cuba, jogam toda a culpa no “assassino” bloqueio comercial. Então, ora bolas, por que a China, tão comunista como eu, não ajuda “los hermanos cubanos”? Simples. Não existe almoço de graça. Cuba reclama, reclama, mas tem dinheiro pra nada. Não tem riquezas minerais, petróleo, porra nenhuma. Por isso os americanos deixam a ilha quietinha, caindo sozinha de podre. De Havana ao aeroporto José Marti, em uma hora num Lada russo dos anos 80, não vi uma fábrica sequer.
Aí é que eu quero ver Cuba lançar foguete… Nunca!
Mas os antigos carros americanos, a maioria da Chevrolet, os famosos e lindos rabos de peixe, continuam milagrosamente rodando, a maioria como táxis clandestinos. Como tudo pertence a Fidel e Raul, melhor, ao Estado, os táxis oficiais, a pizzaria, a lojinha de discos, tudo é do governo.
Os motoristas são assalariados, funcionários públicos e vivem com 20 dólares por mês. Meu guia, Rolando, comigo, em dois dias, ganhou 100 dólares. 50 para me levar à linda praia de verdes águas, Santa Maria e outros 50 para, dia seguinte, me conduzir ao aeroporto. E quem avisa amigo é. Separem outros 30 dólares para a taxa do aeroporto. Quem não paga, não sai!
A caminho da praia, vi o centro/hospital para as vítimas de Chernobil. Parece um quartel. Vi também o estádio onde foram disputados os jogos do Pan, nos anos 90, salvo engano. Tá caindo aos pedaços, completamente abandonado.
Rolando, meu simpático guia; culto, inteligente, bonitão, só tem os dentes da frente. Achei estranho. Pensei que a odontologia cubana fosse tão famosa quanto a medicina… A mulher de Rolando, funcionária pública, ganha 30 dólares mensais.
Rolando tem 40 anos de idade, nunca saiu de sua ilha, é engenheiro mecânico, mas vive levando turistas como eu para passear e partir. Conhece o mundo através de nós. Perguntei por que não exercia a profissão que gosta e ele: “Porque não temos fábricas…”. Engraçado. Cuba se vangloria tanto de seu sistema educacional – vi muitas escolas cheias de alunos – por quê? Pra quê? Se o povo estuda, mas não tem onde trabalhar depois, nem pode sair do país.
Rolando me contou mais. Diz que os presos políticos não são tantos quanto dizem e acreditei. Diz que vivem em paz porque a população não tem armas, logo, não há tanta violência como no Brasil. Cuba tem larápios vagabundos, pés de chinelo, mas não tem cachoeiras de Demóstenes como nós. Outra surpresa: com uma carta convite, se responsabilizando, qualquer cidadão pode sair de Cuba. Não saem, não conhecem nem o próprio país porque não têm dinheiro para passagens aéreas, hotéis etc. Como no muita gente no Brasil!
Perguntei a Rolando como comer uma cubana sem fazer força e ele me lembrou um livro do grande fotógrafo pessoal e oficial de Fidel, Alberto Korda, “Cuba por Korda”. Entre belas fotos, escreve: “Os jovens guerrilheiros chegaram em Havana no dia 2 de janeiro de 1959 e a cidade lhes ofereceu um réveillon prolongado, com danças enlouquecidas, um carnaval antes da hora… Na rua, havia pessoas que quebravam os parquímetros com tacos de beisebol. No entanto, não havia anarquia. Lembro-me sobretudo da enorme felicidade em terem reencontrado a liberdade e a dignidade”.
Felicidade? Liberdade? Dignidade?
Fidel, bem intencionado, transformou seu bravo povo em pedintes e putas. Como no Brasil…
PS: Aí vocês me perguntam: “como comer uma cubana sem fazer esforço?”. E respondo: pagando, ué! Na verdade, é mais romântico e sensual que isso. Conto semana quiser, se eu que vem; claro.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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