3 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

O rei que queria ser homem

Que tipo de homem morre num dia 2 de março, podendo morrer, um mês depois, dia 2 de abril, no dia do seu aniversário?
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Acordei com um sentimento estranho. Culpa dos sete litros de cachaça ontem? Abri a janela e vi uma coisa estranha: céu azul. Dei bom dia ao sol, à vida, às flores ao coco do cachorro, eles não responderam e pensei: a que horas vai chover?
Matei o restinho de vodca ao lado e fui tomar café. Meu plano para este dia era muito humilde, sobreviver até ficar com sono. Este fuso horário de verão, os hipopótamos da Amazônia e o degelo das calotas polares confundem até bula de Rivotril.
Para comemorar o fim de fevereiro, fui comprar ovos no bar do Levi. Na segunda cerveja Spaten, o Facebook do celular voltou a funcionar e li num grupo francês: 32 anos sem Serge Gainsbourg.
E pensar que um pôster, desde 1992, no meu quarto, todo dia, me lembra: “Um ano já, Gainsbourg para sempre”.
PQP! 32 anos! Mais da metade da minha idade. Parece que foi ontem, em 1989, quando o “conheci”, em Paris. Será que, como discípulo e fiel seguidor; sobrevivo mais dois anos e empato com ele, que morreu aos 62, com cara de 92?
Pausa!
Sei que ando escrevendo demais e textos muito longos. Principalmente para quem só lê legenda de Instagram. Deve ser o medo de morrer dia 9 de setembro, já que faço aniversário dia 9 de outubro.
Mas tenho uma dica e sugestão infalíveis. Quem não quiser ler, basta deletar a crônica. Ou melhor, finge que lê e me envia aquelas mãozinhas amarelas batendo palmas.
Outra sugestão é não ler, dar os parabéns, escrever “adorei” e ir pro Jornal Nacional ou dar uma martelada na cabeça. A diferença é que a martelada tem cura. Se não for muito forte.
Sei que vou perder meus 69 leitores ao escrever sobre Serge Gainsbourg, mas tenho uma “astúcia” para recuperar outros 3069.
Serge Gainsbourg é sexo! Pronto: dobrei a meta da mandioca.
Gainsbourg não é só sexo, é tudo que vem junto: sacanagem, escatologia, erotismo, “helicóptero sueco, folhinha verde e beijo grego”.
Gainsbourg também é bom para quem gosta de arte. Todas! Principalmente música e literatura.
Gainsbourg é as mulheres que ele amou; suas musas; é Paris, suas polêmicas, sua ternura disfarçada de vergonha, seu cinismo; escândalos, irreverência e grosseria; seu sarcasmo, beleza e feiúra.
Gainsbourg é a elegância do ouriço e do ornitorrinco. É a “decadense avec elegance”. Um lorde com cara suja e jeito de mendigo. Se ficasse no metrô de Paris com um chapéu ganharia vários euros.
Bebia feito um buraco, fumava como um turco, mesmo sendo judeu russo. Seu nome verdadeiro era Lucien Ginzburg.
A família veio fugida da Rússia e, por sorte, ele nasceu em Paris, em 1928. Tivesse nascido no Brasil estaria trabalhando com telemarketing da Unimed ou da Claro.
Para não ser tão prolixo (chato), dou duas dicas. Tem até coisa melhor, mas para quem sabe ler português, o livro “Um Punhado de Gitanes”; para quem prefere filme, “Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres”. O ator é a cara dele. Pronto.
Já falei demais e falei nada. Impossível explicar a figura, este “Pica das Galáxias”. Para isso, só falando francês, para entender e captar Serge. Gênio é outro clichê que não vou usar porque é pouco.
A falta que ele faz? Muita é muito pouco. Vou tentar outra coisa para quem teve a paciência de chegar até aqui.
Não adianta citar as letras e as frases dele; preciso da poesia, da malícia, da sutileza e libertinagem da língua francesa.
Ops! Tem uma ótima. Ele, judeu, dizia que, se Jesus tivesse morrido na cadeira elétrica, todos os cristãos usariam, em vez da cruz, uma cadeirinha no pescoço…
Melhor abrir um vinho porque, como dizia o Chacrinha, neste caso, melhor confundir que explicar.
Sabem quem foi Antônio Maria? Um grande jornalista e letrista. Feio de doer. Alto, gordo, suarento. Foi o cara que roubou minha musa, Danuza Leão, do elegante e não menos talentoso Samuel Wainer.
Antônio Maria, como Serge Gainsbourg, era nenhum Alain Delon ou Brad Pitt, mas muito melhor. Ele tinha uma lábia, uma inteligência, uma conversa irresistível; sedutora. Maria dizia que precisava de três horas para fazer uma mulher esquecer sua cara, aí…
Gainsbourg não precisava de tanto, talvez uns três minutos e uma dedada… No piano! Como fez com Brigitte Bardot e Jane Birkin. Precisa mais num currículo?
Mas não façam isso em casa, só funciona com mulher que, além de linda, é inteligente. Caso contrário, pérolas aos porcos.
Bom, melhor abrir um vinho pra pular uns capítulos e terminar isso antes do dia 3 de março. Vou pegar uma taça.
Pronto.
Infelizmente, pra vocês, a única música famosa, ou pior, conhecida, de Serge Gainsbourg, no Brasil, é “Je t’aime, moi non plus”. Virou sinônimo de sacanagem e música de motel, “mela cueca e calcinha”.
Infelizmente, porque, na verdade é um hino ao amor físico e mental. Como muitas outras. O povo só se lembra dos gemidos da Jane Birkin. Mas a música foi feita, a pedido, súplica, de Brigitte Bardot. E a letra?
Uma curta e linda história com final infeliz. Tão triste que, felizmente, acabou na voz e nos já invejados gemidos de Jane Birkin. Podem perguntar para as duas, ainda vivas e saudosas viúvas.
Tom Jobim falava e até compunha em inglês. O que não o impedia de usar palavras francesas, quando queria da um toque de “french kiss” em suas melodias imortais.
O mesmo Tom que confessou: “O francês é a língua mais linda e inútil do mundo”. Inútil, no resto do mundo. Acontece que o mundo é Paris para muita gente, a começar por mim.
Há pouco, uma mulher fantástica, que não vou citar o nome, a Andréa Savassi, me disse algo deveras interessante: “Tenho pena de quem não fala francês”.
Concordei na hora. Concordo com tudo que ela fala, menos quando discorda de mim.
Eu tenho pena de mim porque, se não morro de fome em inglês; não falo russo, japonês, árabe, italiano, alemão, aramaico e javanês. Imagino o que perdi quando estive na Grécia.
Mas, em Paris, não preciso fazer mímica para comprar um queijo, uma baguete ou vinho. Por falar nisso, mais uma taça, “s’il vous plait”. E mais; sei falar “oui” e “merci”, sem sotaque.
Que pena! Falei, escrevi e disse nada. Não consegui traduzir Gainsbourg para o português, muito menos para os brasileiros, mesmo porque, “traduzir é trair”.
Como termino?
Viver em Paris e não amar Gainsbourg é como ir a Roma e não ver o Papa. Mesmo porque, o Papa mora no Vaticano. E, em Paris, a casa do Gainsbourg virou cartão postal para os “avertis”.

PS: Lição de casa ou de caso: “Fuir le bonheur de peur qu’il ne se sauve”.

Walter Navarro, Paris, 2 de Março de 2023.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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