16 de maio de 2024
Cinema

Mistério no Mediterrâneo e Mistério em Paris

De: Kyle Newacheck, EUA-Itália-Canadá, 2019, e Jeremy Garelick, EUA, 2023

Nota: ★★½☆

(Disponível na Netflix em 04/2023).

Em 2011, Jennifer Aniston e Adam Sandler, amigos de longa data, fizeram uma comedinha romântica, Esposa de Mentirinha/Just Go With It. Deu certo. Em 2019, voltaram a fazer juntos uma comedinha – dessa vez, um mistério de assassinato, Murder Mystery, no Brasil Mistério no Mediterrâneo. Deu certo demais da conta.

Foi um recorde, segundo anunciou a Netflix: nos primeiros três dias de exibição, 30.869,863 contas do serviço de streaming acessaram o filme –13.374.914 na América do Norte e 17.49.949 no resto do mundo.

O que faz uma indústria – qualquer uma – quando um produto seu vende que nem água? Produz mais, certo? Certo, e então em 31 de março de 2023 a Netflix lançou no planeta inteiro Murder Mystery 2, no Brasil Mistério em Paris. Dez dias depois o título estava no Top 10, os dez filmes mais vistos aqui no país.

Se são bons filmes, essas duas comédias com muitos crimes? Bem… Na minha opinião, e creio que na opinião de muita gente também, não – não são propriamente bons filmes. Há momentos em que roçam na mais pura bobagem. Mas são gostosos de se ver – há piadas meio bobas, mas também há várias inteligentes, e é uma piada atrás da outra.

Há paisagens lindas, sensacionais – do Mediterrâneo, da costa francesa, de Monte Carlo, da Itália, no primeiro, e de Paris, no segundo. Há essa coisa sempre fascinante que é ver como Estados Unidos e Europa têm um fantástico caso de amor e ódio. E há a beleza e a simpatia dessa gracinha que é Jennifer Aniston.

Em suma, é assim: para quem gosta de um divertissement nada sério, mas simpático, engraçado, para quem é capaz de entender que o cinema é também uma diversão, além de uma arte, eis aí uma boa sessão da tarde, ou da noite, ou do que for.

(E, já que este site é mesmo de textos absolutamente pessoais, e informais, confesso, falando bem baixinho: me dispus a ver os dois Murder Mysteries dizendo pra Mary que era só como brincadeira, diversão, descanso, que eu não iria me preocupar em escrever sobre eles. Porque dava para perceber que era só divertissement mesmo… Como ela me conhece, percebeu antes mesmo de mim que eu não iria deixar de escrever. Uai, meu: eu tenho um site sobre filmes… Por que não falar um pouquinho aqui sobre as duas comediazinhas cheias de assassinatos?)

Um policial que não passa em testes, uma cabeleireira

Adam Sandler interpreta Nick Spitz, um policial de Nova York, daqueles que fazem patrulha nas ruas. Nos primeiros minutos do Murder Mystery primeiro, ele comenta com seu grande amigo e colega Jimmy (Erik Griffin) que, mais uma vez, não havia conseguido passar no teste interno da Polícia de Nova York para ser um detetive. Ele sabia as respostas a tudo que caía no teste – diz ele para o amigo –, mas, na hora, ficou tenso, nervoso, e não respondeu direito.

Há um problema: Nick tem vergonha de dizer para sua mulher, Audrey (o papel, claro, de Jennifer Aniston), que não passou no teste.

Na noite daquele mesmo dia, Nick, Jimmy e suas mulheres iriam jantar fora, para comemorar os 15 anos do casamento de Nick com Audrey. No jantar, os quatro amigos conversam, se divertem.

Aqui há um pequenino detalhe: Holly, a mulher de Jimmy, interpretada por Sufe Bradshaw, é negra. É um detalhinho para não ser notado, ou então para ser muito bem notado. Eu, pessoalmente, adoro quando vejo em um filme americano um casal de diferentes cores de pele, porque sempre lembro que, até meados dos anos 1960, havia leis em diversos Estados que proibiam que brancos e negros frequentassem os mesmos espaços – escolas, ginásios de esporte, banheiros – e, naturalmente, que se casassem. Acho que cada vez que um filme – seja um denso, pesado drama, seja uma comedinha divertissement bobinha – mostra um casal de diferentes cores de pele, ele está fazendo um maravilhoso, muitíssimo bem-vindo panfleto contra o racismo.

De volta em casa, Audrey cobra do marido: pô, meu, e aquela viagem à Europa que você me prometeu?

Audrey, o espectador já havia visto, é uma cabeleireira. Uma hairdresser, palavra que será usada trocentas vezes ao longo do primeiro filme.

Um policial não propriamente assim brilhante – ah, e que também não sabe atirar. É péssimo de mira. E uma cabeleireira. Uma comedinha em que os heróis são gente simples, humilde. Gosto muito disso…

Para simplificar, para dar um toque na tecla de fast forward: não sei bem como, mas Nick consegue comprar passagem aérea para a Europa e um pacote de um ônibus que percorrerá locais turísticos da Espanha, da França e da Itália.

No avião, Nick dorme, Audrey dá uma caminhada até a primeira classe. Uma aeromoça (diabo, eu deveria ter reparado mais naquela aeromoça!) tenta expulsar a moça de volta para a classe econômica – mas um passageiro da primeira classe bastante vazia diz a ela que a moça é sua convidada.

Ficam os dois conversando diante do bar da primeira classe, a cabeleireira mulher do policial que toma pau nos concursos internos e o cara da primeira classe. Ele se apresenta – e, mais que isso, conta bastante da história da sua vida. Chama-se Charles Cavendish (Luke Evans), é um visconde inglês, e seu tio, Malcolm Quince, é um dos homens mais ricos de mundo, e acaba de roubar dele a namorada, a gatinha japa Suzi Nakamura (Shioli Kutsuna). Ele, Charles, está indo se encontrar com o tio e a japa agora noiva do tio no iate do biliardário…

Nisso, Nick tinha acordado e se encaminhado até ali o bar da primeira classe. São feitas as apresentações. E aí Charles, o ricaço sobrinho do biliardário, faz o convite: não gostaria o casal Spitz de ir com ele para uma temporada ali no iate do tio?

Dois pobretões no iate do biliardário

Os pobretões no iate biliardário, ali naqueles primeiros 20 minutos de Murder Mystery, são motivo de piadas bobas e piadas inteligentes. Cheguei a pensar em deixar o filme pra lá, mas continuamos.

Há no iate uma louca fauna de pessoas muito ligadas ao biliardário Malcolm Quince. Há Grace Ballard, uma famosa atriz de cinema (o papel de Gemma Arterton). O filho, Tobey Quince (David Walliams), um gay, como avisa logo Charles Cavendish. Um piloto de Fórmula-1 que pelo jeito não fala inglês, Juan Carlos Rivera (Luis Gerardo Méndez). Um coronel de alguma ditadura africana que servia como guarda-costas de Quince, o coronel Ulenga (John Kani), e mais um outro guarda-costas, um russo bem grande, Sergei (Ólafur Darri Ólafsson).

Essa fauna toda está reunida quando, de helicóptero, chegam o biliardário Quince e a japinha que poderia perfeitamente ser sua neta. O biliardário Malcolm Quince vem na pele, meu Deus do céu, de Terence Stamp, o anjo destruidor do Teorema de Pier Paolo Pasolini, o colecionador em O Colecionador de William Wyler, o cara que, já velho, topou ser a drag queen Bernadette naquela maravilha que é Priscilla, a Rainha do Deserto.

O personagem milionário interpretado por Terence Stamp – aquele cara que nos anos 60 e 70 tinha uma estampa tão bela quanto a James Dean ou Marlon Brando – é assassinato uns cinco minutos depois que aparece em cena.

Vai surgir na trama um inspetor da Interpol, Delacroix, interpretado por Dany Boon, o ator francês que esteve em mais de um… como se diz arrasa-quarteirão, blockbuster, em francês?

Evidentemente, os pobretões de Nova York serão tidos como os principais suspeitos.

O IMDb contou e informa: há, no filme, seis assassinatos.

Dois pobretões no casamento do marajá

O Murder Mystery 2, o Mistério em Paris, ainda era recente demais quando eu vi, e o IMDb ainda não tinha feito a “body count”, a conta dos corpos. Conferenciei com a Mary; chegamos a cinco mortos – mas podemos perfeitamente estar subestimando o número real.

No iniciozinho de Murder Mystery 2, ficamos sabendo que, depois de terem sido muito elogiados por um inspetor da Interpol por ter resolvido o misterioso caso dos assassinatos envolvendo o biliardário Malcolm Quince, o policial Nick Spitz e a cabeleireira Audrey Spitz pediram demissão de seus empregos e investiram tudo o que tinham para montar um escritório de detetives particulares – mas a coisa não estava dando certo.

Por sorte, eles recebem um convite do marajá (Adeel Akhtar), aquele marajá do primeiro filme, para o casamento dele, numa ilha paradisíaca, com uma garotinha francesa por quem ele havia se apaixonado, Claudette – o papel, ó Jesus, de Mélanie Laurent.

E aí se repete o esquema do primeiro filme: os dois pobretões americanos vão para um habitat de gente riquíssima. No primeiro, era o iate do biliardário; no segundo, é a ilha paradisíaca em que o marajá vai se casar.

No iate do biliardário, o biliardário é assassinado. No momento do casamento do marajá, o marajá é sequestrado.

Nick tem certeza de que, ali na ilha, entre os convidados para o casamento, há alguém que colaborou com os sequestradores, alguém que pode até mesmo ser o autor intelectual do crime. Entre os suspeitos, segundo pensa Nick, poderiam estar:

  • a própria noiva, Claudette (a linda Mélanie Laurent, como já foi dito),
  • o coronel Ulenga (John Kani),
  • Francisco, o administrador das empresas do marajá e um tarado por todas as mulheres do mundo (Enrique Arce),
  • a condessa Sekou, ex-candidata a mulher do marajá (Jodie Turner-Smith),
  • Saira, a irmã do marajá (Kuhoo Verma).

De repente, chega à ilha um tal Miller (o papel de Mark Strong), um sujeito que parece uma mistura de detetive com chefe de esquadrão de tropa de choque. Miller é o autor de um livro com dicas para todos os detetives, investigadores do mundo; Audrey havia lido várias vezes o livro do cara.

E o sequestrador faz contato: para soltar o marajá, exige que uma fortuna em dinheiro – acho que US$ 50 milhões – seja entregue às tantas horas do dia tal junto do Arco do Triunfo, em Paris.

O casal Nick e Audrey Spitz é escalado para entregar a grana, colocada em uma pasta tipo executivo. Ao chegarem junto à van definida pelo sequestrador ao telefone como o local da entrega, os dois são obrigados a subir.

Há em seguida uma sequência de mais de cinco minutos – talvez uns dez – em que a van corre malucamente pelas ruas de Paris enquanto lá dentro Nick e Audrey lutam contra os sequestradores. É dessas coisas que tem milhões de fãs no mundo inteiro – veículo em disparada e luta. A sequência é tão longa que, nos infindáveis créditos finais, mostra-se que houve uma unidade inteira montada apenas para criá-la – “Van sequence unit”. Ô louco, meu.

Dá para ver que os dois astros se divertiram muito

Nunca tinha ouvido falar de Kyle Newacheck nem de Jeremy Garelick, os caras que dirigiram, respectivamente, o filme 1 e o filme 2. Nem de James Vanderbilt, que bolou tudo, os personagens e as tramas dos dois filmes e também escreveu o roteiro. Nascido em 1975, Vanderbilt é produtor (19 títulos no currículo, inclusive Zodíaco, de 2007, e Pânico, de 2022) e roteirista (18 títulos, inclusive O Espetacular Homem-Aranha, de 2012, e Conspiração e Poder, de 2015).

Tem imaginação o gajo, sem dúvida alguma. E é fã de carteirinha de Agatha Christie. Estes dois filmes com os personagens Nick e Audrey incluem diversas citações ou referências a fatos ou situações criadas pela fascinante velhinha inglesa:

  • o livro The Body in the Library é mencionado por Audrey;
  • exatamente como acontece no livro A Murder is Announced, as luzes são apagadas um segundo antes de um crime ser cometido – o assassinato do milionário Quince;
  • assim como no livro Death in the Clouds, há um assassino que usa flechinhas disparadas através de um dardo amazônico, aquele objeto parecido com uma flauta;
  • exatamente como faz Hercule Poirot ao final de vários dos livros, o casal Spitz reúne os suspeitos numa sala para anunciar como os crimes aconteceram e quem foi o assassino;
  • ao final do primeiro filme, o casal ganha de presente uma viagem no famosérrimo Expresso Oriente – o trem do título de uma das obras mais conhecidas de Agatha Christie.

O primeiro filme foi uma co-produção EUA-Itália-Canadá; o segundo foi produzido apenas por empresas dos Estados Unidos mesmo. A belíssima Charlize Theron foi produtora executiva dos dois – não tenho a menor idéia de por que ela quis mexer com isso…

Os dois astros, Jennifer Aniston e Adam Sandler, estão entre os produtores do segundo filme – e, em entrevistas, disseram que pretendem fazer mais um, ou, se possível, mais alguns. Gostaram da brincadeira.

Dá mesmo para sentir, vendo os filmes, que os atores e a equipe devem ter se divertido muito.

E parece ter sido uma gosta de amigos. A aeromoça da primeira classe que aparece na sequência em que Audrey fica conhecendo o riquíssimo Charles Cavendish é Jackie Sandler, a mulher de Adam Sandler.

Tem mais. Na primeira sequência em que vemos Audrey Spitz/Jennifer Aniston, no primeiro filme, ela trabalhando no salão de beleza, a moça que faz a freguesa é Andrea Bendewald, uma das melhores amigas da atriz. Andrea foi dama de honra no casamento de Jennifer Aniston com Brad Pitt em 2000, e apareceu no seriado Friends como participação especial.

Os atores e as pessoas das equipes técnicas seguramente se divertiram bastante fazendo os filmes. Mary e eu nos divertimos – mas as duas obras não têm boa aprovação nem da crítica nem do público. Segundo o site agregador de opiniões Rotten Tomatoes, o primeiro filme tem 44%, apenas, de aprovação dos críticos e 45% entre os leitores. Quase os mesmos números valem para o filme número 2: 45% de aprovação dos críticos, 49% dos leitores.

Mistério no Mediterrâneo/Murder Mystery

De Kyle Newacheck, EUA-Itália-Canadá, 2019

Com Adam Sandler (Nick Spitz),

Jennifer Aniston (Audrey Spitz)

e Luke Evans (Charles Cavendish, o nobre milionário), Terence Stamp (Malcolm Quince, o biliardário tio de Charles), Gemma Arterton (Grace Ballard, a atriz de cinema), David Walliams (Tobey Quince), Dany Boon (inspector Delacroix), John Kani (coronel Ulenga), Adeel Akhtar (o marajá), Ólafur Darri Ólafsson (Sergei, o guarda-costas), Luis Gerardo Méndez (Juan Carlos Rivera), Shioli Kutsuna (Suzi Nakamura, a ex-namorada de Charles, noiva de Malcolm Quince), Erik Griffin (Jimmy Stern, o amigo de Nick), Sufe Bradshaw (Holly, a mulher de Jimmy), Jackie Sandler (a aeromoça da primeira classe)

Argumento e roteiro James Vanderbilt

Fotografia Amir Mokri

Música Rupert Gregson-Williams

Montagem Tom Costain

Casting Kathy Driscoll, Sandie Galan Perez, Barbara Giordani, Andrea Kenyon, Francine Maisler

Desenho de produção Perry Andelin Blake

Produção Allen Covert, A.J. Dix, Netflix, Happy Madison Productions, Endgame Entertainment, Vinson Films,Denver and Delilah Productions.

Cor, 97 min (1h37)

**1/2

Mistério em Paris/Murder Mystery 2

De Jeremy Garelick, EUA, 2023

Com Adam Sandler (Nick Spitz),

Jennifer Aniston (Audrey Spitz)

e Mark Strong (Miller, o detetive sabe tudo), Mélanie Laurent (Claudette, a noiva do marajá), Jodie Turner-Smith (condessa Sekou), John Kani (coronel Ulenga), Kuhoo Verma (Saira, a irmã do marajá), Dany Boon (inspetor Delacroix), Adeel Akhtar (o marajá), Enrique Arce (Francisco, o administrador das empresas do marajá), Zurin Villanueva (Imani), Jillian Bell (Susan), Tony Goldwyn (Silverfox), Annie Mumolo (Mrs. Silverfox), Larry Myo Leong (Mr. Lou), Carlos Ponce (o piloto do helicóptero)

Argumento e roteiro James Vanderbilt

Fotografia Bojan Bazelli

Música Rupert Gregson-Williams

Montagem Tom Costain, Brian M. Robinson

Casting Maribeth Fox, Laura Rosenthal

Desenho de produção Perry Andelin Blake

Produção Jennifer Aniston, Adam Sandler, James D. Stern, James Vanderbilt. Tripp Vinson, Echo Films, Endgame Entertainment, Happy Madison Productions, Mythology Entertainment, Netflix.

Cor, 90 min (1h30)

Fonte: 50 anos de filmes

Sergio Vaz

Jornalista, ex-diretor-executivo do Jornal Estado de São Paulo e apreciador de filmes e editor do site 50 anos de filmes.

Jornalista, ex-diretor-executivo do Jornal Estado de São Paulo e apreciador de filmes e editor do site 50 anos de filmes.

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