29 de março de 2024
Ricardo Noblat

A reforma de R$ 3,6 bilhões

Congresso Nacional (Foto: Dida Sampaio / Estadão)

Quem disse: “A reforma política só está sendo feita por causa do financiamento. Foi por isso que nós começamos a discutir sistema eleitoral, voto em lista, distritão. Agora tudo é para aprovar o fundo, porque sem ele não tem dinheiro”?
E quem disse: “Aprovar uma reforma política para o ano seguinte é impossível porque o povo aqui [no Congresso] faz de tudo, menos passar a faca no próprio pescoço”?
Foi o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), presidente da comissão que discute o tema na Câmara, quem disse que a reforma política, na verdade, só está sendo feita para resolver o problema de dinheiro dos candidatos às próximas eleições.
E foi o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma, quem disse que seus colegas fazem de tudo, menos contrariar os próprios interesses.
Precisa dizer mais o quê sobre a reforma que deverá, esta semana, ser aprovada na Câmara para depois ser votada no Senado? Pois Vieira Lima disse mais em entrevista à Folha de S. Paulo: “Se com dinheiro privado já está todo mundo sendo preso, imagina com dinheiro público. (…) Caixa dois não é questão de sistema político. É questão de consciência”.
Ao O Globo, que perguntou se R$ 3,6 bilhões para pagar despesas de candidatos não é um absurdo, Cândido reconheceu: “Se fosse em tempos normais da economia, uma campanha de US$ 1,1 bilhão não estaria mais cara do que a média do mundo. Mas o modelo atual não dá conta, é mais uma hipocrisia que nós vamos inventar. A campanha é muito mais cara do que isso, ainda vai ser criminosa”.
Um fundo público de tal valor é “um desaforo”, reclamou o ministro Luís Roberto Barroso no jornal O Estado de S. Paulo: “Um número mais compatível com a realidade brasileira, R$ 800 milhões, por exemplo, até R$ 1 bilhão, é uma discussão razoável, considerando a transição do modelo que nós temos para o do distrital misto, que é muito mais barato.”
Barroso defende que a política seja financiada pela cidadania. E explica como: “Você vai conquistar adeptos, fazer financiamento por meio de pequenas quantias, geralmente doadas pela internet por pessoas físicas. Essa dependência permanente da verba pública que se criou no Brasil para tudo tem que acabar. A sociedade tem que acabar com essa dependência do Estado”.
O sistema eleitoral brasileiro, com voto proporcional, lista aberta e coligações, é um “desastre completo” na opinião de Barroso. “O eleitor não sabe exatamente quem ele elegeu, e o candidato não sabe exatamente por quem ele foi eleito”, diz. “Esta é, a meu ver, a principal causa do descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Viraram mundos apartados”.
O ministro critica a profusão de partidos: “Existem mais de três dezenas deles, existem outros esperando na fila e, na verdade, esses partidos acabam virando negócios privados. E, frequentemente, negócios privados desonestos, porque esses partidos vivem de apropriação privada do Fundo Partidário e da venda do tempo de televisão”.
O que impede o Congresso de fazer uma reforma política decente? Simples: a carência que existe, ali, de políticos decentes, capazes de subordinar seus desejos à realidade do país, e de construir uma democracia menos permeável à corrupção.
“O povo vota num Congresso Nacional do Brasil e quer as leis da Suíça”, reclama Cândido, o relator da reforma, que pelo jeito não tem os brasileiros em alta conta. A recíproca é verdadeira.
Fonte: Blog do Noblat

Ricardo Noblat

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

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