28 de março de 2024
Rodrigo Constantino

O dia em que fui chamado de esquerda caviar

Já fui chamado de muita coisa na vida, desde “fascista” pela esquerda até “reacionário” pelos libertários. Até aí tudo bem, é normal, a vida típica de um liberal clássico com algum viés conservador. Mas ser acusado de esquerda caviar, o termo que popularizei com meu bestseller? Isso foi a primeira vez. E veio de alguém que se diz de direita: Eduardo Bolsonaro.
O deputado, que tem se mostrado mais atuante nas redes sociais fazendo campanha para o pai do que no cargo político que ocupa com salário pago pelo povo trabalhador, gravou um vídeo em que me chama de esquerda caviar, dizendo que “minha trupe” (como se eu tivesse uma legião de seguidores fanáticos que dizem “amém” para um “guru”) age como o PSOL e o PT (sendo que foi seu pai que votou como o PSOL e o PT recentemente, vamos lembrar). Vejam:

Entrar na página do deputado é adentrar um circo de horrores. Há fãs que claramente deveriam se tratar num divã, para entender a necessidade de substituir Deus por um político, ou então resgatar a figura de um paizão protetor (que talvez não tiveram, Freud explica). Os Bolsonaros não parecem em busca de eleitores, mas de seguidores fanáticos. Querem criar uma seita. Estão conseguindo.
E, como toda seita fechada, o universo dos fiéis é bem restrito: só está do seu lado quem jamais emite uma só crítica ao “guru”. É por isso que quem ousa discordar de alguma coisa dita ou feita pelo “mito” vira logo um inimigo mortal, um socialista, um doriana, um esquerda caviar. São todos traidores, e só os bajuladores mais puxa-sacos são “respeitados”.
Falemos do caso em si que gerou a nova controvérsia e foi tema do vídeo: a turma insiste que Bolsonaro “foi apenas homenageado” pelos alunos de uma escola militar. Falso! Mil vezes falso! Como deixei claro desde o início, a crítica foi restrita ao episódio dentro da escola, sob a tutela de um policial à guisa de professor, o que é absurdo, “escandaloso”, na expressão usada por Miguel Nagib em entrevista à Gazeta do Povo.
Aliás, vejam como o universo dos “legítimos direitistas” vai se afunilando: Nagib é o criador da ONG Escola Sem Partido, e também criticou com veemência o ocorrido. Nós estamos escrevendo juntos um livro sobre o assunto, em que 99,99% das críticas são contra a doutrinação esquerdista, os seguidores de Paulo Freire. A nossa editora é a Record, e nosso editor é Carlos Andreazza, outro respeitado conservador. A Gazeta do Povo, o jornal de longe mais conservador do país, abriga meu blog e fez a entrevista com Nagib. E todos passaram a ser alvos dos Bolsonaros!
Talvez, apenas talvez, fosse o caso de alguns seguidores aguerridos pararem para refletir: será que pode ter alguma coisa errada com o rei? Será que suas lindas roupas invisíveis não existem? Será que tachar de “socialista” ou “esquerda caviar” todo aquele que criticar o “mito” em alguma postura qualquer é razoável? Será que todos são da falsa direita, e apenas os Bolsonaros representam a direita verdadeira no Brasil? Mesmo?
Alguém com uma postura decente, democrática, tolerante a críticas, deveria rebater a acusação com argumentos, tentar mostrar que a cena não foi tão chocante assim, contextualizá-la se for o caso. Poderia, com educação, dizer que foi uma homenagem, mas que os responsáveis pela escola podem ter se empolgado demais e cruzado uma linha perigosa, causando a impressão errada. Seria outra história!
Mas não. Os Bolsonaros precisam atacar, acusar, pois o ataque é a melhor defesa num quartel. Vivem com a mentalidade militarista, não política. Precisam destruir, eliminar os adversários, tratados como inimigos mortais. E, no caso, o adversário é alguém que já teceu vários elogios ao próprio Bolsonaro e que pode até mesmo votar nele se for o caso em 2018, como deixei claro em minha resposta no Facebook:
Eduardo Bolsonaro, quando eu critico certas posturas suas, do seu pai ou de alguns de seus seguidores mais fanáticos, pode estar certo de que não o faço de olho no respeito de socialistas, de gente do PSOL ou do PT, a escória da escória, ou então para não ser acusado de “fascista” por eles. Eu sempre sou, e não ligo. É tão engraçado como ser acusado de “socialista” pelos seus seguidores radicais ou por você mesmo. E é essa semelhança que lhe escapa. Talvez por adotar métodos semelhantes, quem sabe? Seu inimigo é o meu também. Mas isso jamais fará com que eu abaixe a cabeça para algum guru, ou então que faça vista grossa para evidentes abusos por parte de políticos (eu sempre os verei como meus servidores, e não o contrário). A isso chamamos de liberalismo. E procure estudar melhor essa doutrina, pois pelo visto aquelas aulas sobre Mises não foram bem absorvidas. Talvez você estivesse surfando em vez de prestar atenção. Por fim, antes de se precipitar tanto, saiba que dependendo das opções eu votaria no seu pai, apesar de seus ataques irrefletidos. Passar bem!
Alguns seguidores, e o próprio Eduardo, alegam que não vão ficar sendo chamados de nazistas calados. O problema é que sua reação corrobora com a acusação. O que eu apontei, por exemplo, foi para a postura naquela escola, que remete ao nazismo sim. Essa reação agressiva, tosca, fanática de muitos seguidores também: isso é coisa de quem encontrou um ídolo, não um bom candidato para lhe representar. Os mesmos que reclamam de rótulos indevidos rotulam todos os outros, o que é pura incoerência.
No fundo, Bolsonaro está morrendo de medo de João Doria, que nem sabemos se será mesmo candidato, e esse medo, esse pânico de perder território à direita explica muito dessa lamentável postura recente, especialmente de Eduardo, o mais afoito. Curioso que eu nunca disse que Doria é de direita. Curioso que já o critiquei aqui e aqui, sobre desarmamento ou ao receber Suplicy com “respeito” em seu programa.
Mas vejam que coisa: o prefeito de São Paulo convive bem com as críticas! No caso do desarmamento, até convidou Bene Barbosa para uma entrevista, que foi excelente e bastante proveitosa. Doria, que não é de direita, ao menos se mostra aberto ao diálogo, tem humildade para reconhecer eventuais erros, adota postura civilizada.
Já Eduardo Bolsonaro parece um pitbull, pronto para jogar pedras no primeiro crítico, numa estratégia burra que “prega para convertidos”, cercando-se de bajuladores idiotas e afastando inúmeras pessoas razoáveis, de direita, que eventualmente votariam em seu pai. Não consegue se controlar, e talvez devesse tirar umas férias e ir surfar na Austrália para espairecer um pouco, refrescar sua cabeça.
Porque se continuar assim só vai restar a militância patética, os petistas com sinal trocado, aqueles que xingam e cospem em todos para aplacar suas angústias e inseguranças, e que necessitam de um paizão, não de um bom representante na política. São aqueles que puxam Ciro Gomes da cartola achando que, assim, me humilharam e encerraram o “debate”, o mesmo Ciro que andou chamando Bolsonaro de “despreparado”.
São aqueles que, orgulhosos, dizem que a solução é simples: basta não ler mais o que nós, críticos independentes, escrevemos. Claro: a estratégia é parar de pensar, para só concordar de forma automática com o guru. Exatamente como fazem os petistas que idolatram Lula, não é mesmo? Todo crítico é um vendido ou um golpista da elite.
Pregar para convertidos é fácil. O difícil mesmo é converter gente boa, que quer pensar de forma independente, mas ainda tem dúvidas legítimas. Para tanto é preciso ter bons argumentos, saber despertar reflexões saudáveis, induzir um raciocínio mais elaborado. É para esses que escrevo. E são esses, pelo visto, que Bolsonaro tem feito de tudo para afastar. Que pena!

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