13 de maio de 2024
Cinema

Passei por Aqui / I Came By (por Sergio Vaz)

De: Babak Anvari, Inglaterra, 2022

Nota: ★☆☆☆

(Disponível na Netflix em 1/2023.)

Passei por Aqui/I Came By, produção britânica de 2022 dirigida pelo inglês de ascendência iraniana Babak Anvari, é um thriller metido a mui sério comentário sobre as mazelas da sociedade, os problemas causados pela injustiça social, os efeitos do colonialismo.

As questões da cor da pele, da origem da pessoa, do seu status dentro da sociedade, são importantíssimas no filme.

Quando estamos com 10 dos 110 minutos do filme, trava-se o seguinte diálogo entre os dois jovens que, até então, parece que serão os personagens principais da história:

– “Eu me informei sobre o juiz. A família dele é colonialista convicta”, diz Toby Nealy, um rapaz de uns 23 anos branquelo (o papel de George MacKay). – “O pai dele era dono de fábrica, crítico da descolonização…”

– “Mas dizem que é um santo”, diz Jay, apelido de Jameel Agassi (o papel de Percelle Ascott), um descendente de africanos, com cabelos longos e aqueles troços à la Bob Marley nas trancinhas.

Toby: – “É um jogo de publicidade. Sabe por quê? Hector foi nomeado para o Tribunal Superior, mas se demitiu dizendo que lá é tudo muito branco e elitista, enfezando vários ministros, e aí ele voltou a ser notícia.”

Jay: – “Talvez ele queira corrigir os erros da família.”

Toby: – “Ou desviar a atenção. Veja. (Mostra foto que fez no celular quando invadiu a casa do juiz Sir Hector Blake.) É marfim. Ele adora esse lance imperialista. É ilegal agora.”

Jay: – “É só uma antiguidade qualquer.”

Toby: – “De que lado você está., cara?”

É para ser um thriller, é um thriller – mas o diretor Babak Anvari, ele também o autor da história e co-autor do roteiro, ao lado de Namsi Khan –faz questão, desde bem o início do filme, de dizer que I Came By tem sérias, importantes colocações acerca da sociedade ocidental e cristã.

Este é um filme metido. Presunçoso.

Guerrilheiros do bem contra o Establishment

Jay e Toby são grafiteiros – e usam o talento para a grafitagem como uma arma para demonstrar seu inconformismo diante dos males da sociedade. São assim uma espécie de guerrilheiros pacíficos contra a injustiça social, contra os ricos, os caretas, os conservadores. Contra o Establishment e tudo que parece aprova-lo.

Na prática, trocando em miúdos, o que eles fazem é invadir as residências de gente muito rica e pintar na parede um desenho elaborado com as palavras “I came by” – estive aqui, passei por aqui.

O filme abre com uma dessas ações – vemos Jay e Toby deixando sua marca num imenso apartamento de um sujeito riquíssimo.

Para realçar que Toby é um sujeito do bem, um bom caráter, de honestidade a toda prova, um altruísta, que não quer ganhos para si, que só quer fazer o bem, há, de cara, uma sequência em que, numa estação de metrô, o rapaz bate a carteira de um sujeito de terno e gravata – portanto um representante do Sistema Capitalista Imundo.

A sequência vem logo após a bem sucedida invasão do apartamento que abre a narrativa. Há uma mulher miserável, mendiga, pedinte, sentada no chão da plataforma do metrô – e na estação há avisos de que é proibido mendigar no metrô e de que os passageiros não devem dar dinheiro aos pedintes.

Toby então bate a carteira do sujeito de terno e gravata. Em seguida faz de conta – da maneira mais ostensiva possível – que está pegando a carteira no chão e pergunta ao homem se a carteira é dele. O homem agradece muito, mas não se coça. Toby o encara com todo o jeito de quem diz: “Ô, meu, não vai me dar uma recompensa?” O homem tira uma nota, dá para Toby – que, logo em seguida, da maneira mais ostensiva possível, entrega a nota à pedinte sentada no chão.

Um pacífico, não-violento guerrilheiro do Bem. Um combatente contra o Capitalismo, a Injustiça Social, os Preconceitos.

Uma mulher de bom caráter

Toby é um grande herói do Bom Combate – mas tem um probleminha. Toda a sua energia está dedicada exatamente ao Bom Combate, não sobrando força para que ele trabalhe, faça alguma coisa para ganhar a vida. O quê? Como assim – trabalhar? Ganhar a vida com o suor do seu próprio rosto? Ah, isso é para os caretas, os quadrados, os babacas…

Além de não trabalhar, o grande herói do Bom Combate também não se incomoda com coisas menores como tirar o prato de sua própria comida de cima da mesa e jogar no lixo os restos. Ou manter o próprio quarto em ordem.

Um conjunto de atitudes que é motivo de profunda irritação de sua mãe, Lizzie (o papel da escocesa Kelly Macdonald, na foto abaixo).

Lizzie é uma boa, uma ótima pessoa – e aqui estou falando sério, sem ironia alguma. Psicóloga, trabalha – aparentemente em uma instituição pública, ligada à NHS, National Health Service, o SUS britânico – com a maior seriedade e afinco no atendimento de despossuídos, pobres, imigrantes. Mas é o tal negócio: casa de ferreiro, espeto de pau. Embora se esforce para auxiliar jovens carentes ou desajustados como Faisal (Antonio Aakeel), um imigrante obrigado pelos pais a estudar para uma profissão que detesta, Lizzie não conseguiu fazer com o que o próprio filho fosse uma pessoa ajustada. E ela sofre demais com isso.

O filme mostra que Lizzie teve Toby ainda muito jovem – e que o rapaz não gosta da mãe, não tem afeto por ela. Muito ao contrário: ele considera que ter tido um filho cedo demais foi imenso erro da mãe.

Pobre é bom. Rico é o Mal em Si

Jay é bastante diferente de seu parceiro Toby. Não é inglês como ele; é um imigrante, que enfrenta problemas, preconceito – e já esteve preso. Ao contrário de Toby, trabalha, e trabalha muitas horas por dia, para ganhar a vida, garantir seu sustento. Ao ficar sabendo, logo depois da invasão do apartamento do ricaço mostrada no início do filme, que sua namorada, Naz (a bela indiana Varada Sethu), está grávida, Jay decide parar com as invasões a residências. Com a responsabilidade da iminente paternidade, quer fazer de tudo para não voltar a ter problemas com a polícia.

Toby fica irritadíssimo com o que considera ser uma traição do amigo à causa justa, ao Bom Combate.

E aí entra na história o tal juiz, Sir Hector Blake – o papel de Hugh Bonneville, o eterno Robert Crawley, conde de Grantham, de Downton Abbey (na foto abaixo). Pouco antes de Jay apresentar sua renúncia à parceria com Toby na mui digna arte de guerrilha contra o Establishment, a dupla havia decidido que a propriedade seguinte a ser invadida e presenteada com a marca de “I Came By” seria a mansão desse sujeito.

Sir Hector Blake é uma personalidade conhecida. Havia renunciado recentemente às altas funções de juiz em uma Corte importante; era filho de homem nobre, rico, de alta posição na sociedade. Havia sido professor, e Naz, a namorada de Jay, que é estudante, tinha excelentes referências dele, um sujeito conhecido por posturas progressistas, anti-racistas. Entre os colegas dela, Blake era tido como “santo”.

Numa “visita” à mansão do nobre ricaço, Toby descobre que ele mantém num aposento secreto do porão um homem preso – com óbvios, evidentes sinais de maus tratos.

Sir Hector Blake só era progressista da boca pra fora, o grande filho da mãe. Na verdade, era um psicopata assassino.

I Came By é um filme metido, presunçoso – e bastante chegado a um maniqueísmo. Pobre, imigrante, não branco é bom. Rico é o Mal em Si.

O filme teve aprovação de 70% dos críticos

Encontrei bem poucas informações – tanto no IMDb quanto na Wikipedia – sobre o diretor Babak Anvari, que, como já foi dito, foi o autor da história deste I Came By e escreveu o roteiro ao lado de Namsi Khan. É um inglês de origem iraniana, como também já foi dito – mas, além disso, pouco se informa sobre ele. Parece ser do tipo que não gosta de divulgar sua idade, mas as indicações são de que é jovem.

Dirigiu quatro curtas entre 2005 e 2011, e, de 2016 para 2022, dirigiu uma série de TV, Monsterland, e três longas – este I Came By é o terceiro. Os dois anteriores, Sob a Sombra/Under the Shadow (2016) e Contato Visceral/Wounds (2019) são filmes de terror. Under the Shadow foi premiadíssimo; obteve 21 prêmios, inclusive o Bafta de “excepcional estréia de um escritor, diretor ou produtor britânico”.

I Came By obteve a aprovação de 70% dos críticos consultados pelo Rotten Tomatoes, o site agregador de opiniões. O que me parece lógico: crítico de cinema em geral é anti-Establishment, e adora filmes anti-Establishment. Já a aprovação entre os leitores do site, gente como a gente, “normal”, não crítico de cinema, foi bem menor, de apenas 46%. O resumo das opiniões dos críticos feito pelo Rotten Tomatoes é o seguinte:

“Embora fique um pouco aquém de suas ambições hitchcockianas, I Came By é favorecido pelo excelente desempenho de Hugh Bonneville, em um papel diferente do que é normal em sua carreira.”

Hum… Não achei a atuação de Hugh Bonneville tão excelente assim. Na verdade, não achei que ator algum está muito bem no filme. Nem mesmo essa moça Kelly Macdonald, que já vi trabalhar bem em outros papéis, como, por exemplo, em O Soldado que Não Existiu / Operation Mincemeat (2021), de John Madden. Aqui ela está exagerada, overacting.

E esse George MacKay… Meu Deus, o que é aquilo? A atuação dele é horrorosa, pavorosa – algo absolutamente impensável no cinema da Inglaterra, o país que é o maior celeiro de bons atores do planeta.

Incrível!

Anotação em janeiro de 2023

Passei por Aqui/I Came By

De Babak Anvari, Inglaterra, 2022

Com Hugh Bonneville (Sir Hector Blake), Kelly Macdonald (Lizzie Nealey, a mãe de Toby), George MacKay (Toby Nealey), Percelle Ascott (Jameel Agassi, ou Jay), Varada Sethu (Naserine “Naz” Raheem, ou Naz, a mulher de Jay), Franc Ashman (sargento-detetive Ella Lloyd)

e Antonio Aakeel (Faisal, paciente de Lizzie), Tarik Badwan (Said, prisioneiro), Gabriel Bisset-Smith (Dave Colombo, o youtuber), Peter Bramhill (policial Morgan), Anthony Calf (superintendente de política William Roy), Jonathan Coy (o diretor da escola), Lara Denning (Rosalind), Andrea Gould (policial), Shenel Hussein (policial). Syreeta Kumar (a mãe de Naz), Amerjit Deu (o pai de Naz), Alicia Ambrose-Bayly (policial Vanessa Ceesay),

Roteiro Babak Anvari, Namsi Khan

História de Babak Anvari

Fotografia Kit Fraser

Música Isobel Waller-Bridge

Montagem Matyas Fekete

Casting Kahleen Crawford

Desenho de produção Ben Smith      

Figurinos Holly Smart

Produção Lucan Toh, Two & Two Pictures, Film 4, New Regency Productions

XYZ Films

Cor, 110 min (1h50)

Fonte: 50 anos de filmes

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