5 de dezembro de 2024
Colunistas Mary Zaidan

Os brasileiros impediram o pior

O que Bolsonaro tentou fazer em 2020 e não conseguiu é motivo de orgulho para o país.

Um ano tão grave e amargo como o de 2020 faz acelerar a contagem regressiva, aumentar a ansiedade e alimentar expectativas para o tempo vindouro. Mas a virada, mesmo com reza, fé e todas as mandingas, não é capaz de fazer milagres: 2021 começará com o mesmo presidente Jair Bolsonaro – bronco, negacionista, irresponsável -, com crises econômica e social ainda mais agudas, e sem vacina para fazer o país se reerguer.

Resta aos brasileiros a retrospectiva do avesso, capaz de nos alegrar por aquilo que, pela força coletiva, evitamos que acontecesse em 2020. E a torcida para que essa resistência continue vitoriosa, impedindo que a retrógrada agenda do governo se realize no ano que vem.

Os não acontecimentos de 2020 foram motivos de orgulho. Sem poder ir às ruas, a ação dos brasileiros, seja nas redes sociais, por meio da imprensa ou das instituições de Estado – as duas últimas igualmente odiadas por Bolsonaro -, derrotou os arroubos autoritários do presidente. Desmascarou, ainda que parcialmente, a indústria de fake news que dá suporte ao governo, e fez a direita xiita recuar nas intenções de implantar um governo militar sob a liderança de Bolsonaro, a partir do fechamento do Congresso e do STF.

Não raro, impediu as besteiras que o capitão gostaria de fazer com a sua caneta Bic, usada muitas vezes também para desassinar documentos impróprios ou rejeitados publicamente.

Sem sucesso, Bolsonaro tentou intervir no currículo das escolas básicas e na escolha dos reitores das universidades. Aventou taxar livros. Sua ideia estapafúrdia de acabar com a educação inclusiva foi derrotada pelo Supremo, assim como retrocessos na demarcação de terras indígenas e no fim de áreas de proteção ambiental. Perdeu também na tentativa de restringir a Lei de Acesso à Informação.

Levantamento realizado pelo jornal O Globo aponta que Bolsonaro foi o presidente que mais baixou Medidas Provisórias na primeira metade do mandato – e que mais rejeição sofreu no Congresso, conseguindo aprovar apenas 45% delas. Isso por serem mal redigidas, inconstitucionais, ou simplesmente absurdas.

Se conseguiu flexibilizar os pontos na carteira dos motoristas, foi derrotado na exclusão dos radares de velocidade nas estradas, no fim do seguro obrigatório e da cadeirinha de segurança para crianças. Também não foi feliz na tentativa de criar privilégios para caminhoneiros, hoje já divididos quanto ao apoio dado em 2018.

Ampliou o número de cidadãos com porte de armas e até fuzis nas mãos, mas ficou muito longe da sua ambição de popularizar armas de uso pessoal, tendo sido impedido, por liminar do STF, de zerar impostos sobre armamentos importados. Também não teve êxito no excludente de ilicitude para policiais, uma espécie de licença prévia para matar, rejeitada pelo Congresso no pacote anticrime, matéria que ele tentará reavivar em 2021.

Mas os piores reveses de Bolsonaro estão diretamente associados às maiores vitórias do Estado brasileiro em 2020: embora tenha insistido, ele não conseguiu transformar o governo em puxadinho de proteção para a sua família. Depois da lambança para intervir na Polícia Federal, em que até a assinatura eletrônica do ex-ministro Sérgio Moro foi forjada, o STF não deixou o presidente nomear o amigo Alexandre Ramagem para dirigi-la.

Insistiu e continuou dando com os burros n’água. Ramagem foi estrategicamente aboletado à frente da Abin, órgão sob investigação por ter produzido relatórios nada republicanos para defender o filho zero um, Flávio. Uma história tão cabeluda que até o fiel procurador-geral Augusto Aras terá dificuldades para alisar.

Nas eleições municipais, exultação geral. Venceu o bom-senso. Bolsonaro entrou de cabeça em São Paulo, no Rio e em pelo menos outras 10 capitais. Foi fragorosamente derrotado. Zombou de gays e acabou por animar o país a eleger um número recorde de representantes LGBTQI+.

Na pandemia, perdemos todos. Aqui, as derrotas impostas a Bolsonaro – e não foram poucas – não se reverteram em ganhos para o país. No máximo, a conduta do STF contra o centralismo bolsonarista permitiu a estados e municípios compensar o descaso do Planalto com o flagelo que já matou quase 200 mil brasileiros. No mais, coube ao presidente estimular a aglomeração e o desuso de máscaras, deixar o país para trás na corrida das vacinas e semear temor quanto à imunização. Mais do que uma lástima, uma atitude genocida.

É exatamente na vacinação que a cidadania se fará mais exigida no ano que se inicia. Será preciso botar pressão – como ocorreu no final do ano, obrigando o Ministério da Saúde a parir um plano, ir às compras e incluir a “vacina chinesa do Doria” entre seus imunizantes – e fazer valer a decisão do STF de impor restrições aos que se negarem a se vacinar.

Vai ser mais um ano muito duro. Também em 2021 só a força coletiva, o bom combate, o crédito nas instituições conseguirão impedir desastres. Se assim for, já será muito bom. Sou uma otimista incorrigível, sempre creio que dias melhores virão.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 27/12/2020.

Fonte: Blog do Noblat – Facebook

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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