Hoje estou aqui cheia de perguntas, querendo saber como você está, de verdade, vivendo, e, claro, antes de tudo, sobrevivendo, nessa pandemia que achamos que duraria pouco, mas já se estende há mais de um ano, e a gente não sabe até quando vai.
Outro dia li um artigo muitíssimo interessante, de Adam Grant, psicólogo americano, que, em síntese, nomeava esses estado de espírito mais geral, e que não é depressão, como “definhamento”. A gente estaria definhando, segundo ele, propondo que sempre devemos nomear o que sentimos para poder entender melhor. Definhar – o que no nosso dicionário nos diz muito, principalmente no sentido de estarmos murchando, decaindo, enfraquecendo gradualmente. E menos no sentido de “emagrecer”, que bem sabemos que não é o que para a geral ocorre nesses meses de isolamento social; muito ao contrário. As gordurinhas pululam.
O artigo me fez pensar muito. Primeiro, sentir-me um pouco melhor por perceber que esses estado é mais geral, e o “não sou só eu” já dá uma acalmada no espírito. Já não é maluco, mais pessoas sentem-se assim.
Muitos medos, além da tristeza de ver pessoas próximas, amadas, cheias de vida, tombarem ao nosso lado. Medo de tudo e insegurança com relação a qualquer detalhe, desde a paranoia até de tocar o botão do elevador, ou uma maçaneta desconhecida. Eu mesma me peguei muito estressada por passar, na feira livre, por pessoas gritando seus produtos, muitas sem máscaras. Parece que você até vê as gotículas sendo jorradas e te perseguindo, loucas para te catar. Cada vez mais dá vontade de sair menos, mesmo quando necessário.
Seus hábitos mudaram? Como está se sentindo? Tem até coisas engraçadas no meio disso tudo, se pensar bem.
Vaidades? Aqui, as roupas gritam de dentro do armário, dobradas, esquecidas nos cabides. Do lado de fora, apenas uma coleção de macacões, o traje oficial que acabei adotando esse ano. Rápidos, práticos (muito mais do que agasalhos e leggings). Uma blusinha por dentro, uma botina. Pronto, e com bolsos! Capricho nos acessórios, embora os brincos estejam quase aposentados pelo uso das máscaras que já alugam as orelhas; anéis, um colarzinho, e os broches, que amo, marca registrada, inclusive fincados nas máscaras para lhes dar alguma graça. Também li outro dia sobre a crise abatendo a indústria das lingeries. Confesso que, falando de calcinhas, por exemplo, elegi umas três ou quatro como soldadinhas do dia a dia, e que se revezam entre estarem ali, ou lavadas e penduradas para secar, já bem rotas, desbotadas, esgotadas.
Cabelos. Vejo pelas redes sociais que por aí os cabelos crescem, livres de tesouras. Meu irmão, por exemplo, já precisa prender os dele com criatividade especial, já quase cobrem seus ombros. Os meus, que lavo todos os dias religiosamente, ficam livres, bagunçados. Só um sacudidinha e pronto. Observo que, na moda, voltaram os lenços, bandanas, tiaras, grampos e presilhas para domarem os mais rebeldes.
Mas falando mais seriamente, pergunto de novo. E você? Também está com sérias dificuldades de planejar qualquer coisa? De ler? Digo, ler. Livros. Porque ler, leio o dia inteiro, como todos, e por profissão, obrigada a ficar grudada na tela do computador, ou do celular, ou da tevê. De dificuldade de dormir, que vem sendo problema para grande maioria, não sofro, especialmente. Mas nunca tive tantos sonhos loucos, estranhos, a ponto de acordar muito mais vezes que o normal durante a noite.
A cabeça chega a formigar de tanto pensar. Muito nas histórias vividas com aqueles que se foram; na torcida para que alguns se recuperem logo, quando caem doentes. No que será daqui para diante, como continuar sobrevivendo. Qual despesa cortar mais ainda. Nas contas que sem parar penetram por debaixo da porta, alertando como os meses passam rápido. Pensar em até quando o país suportará o momento político grave e distópico que enfrenta. No tal novo normal, que me parece muito pior do que o antigo normal.
Quando a cabeça ferve, saio para caminhar em áreas livres ou ir até ali comprar alguma necessidade essencial. Mas, vejam, não tem clima. E cada vez mais literalmente. Desmatamentos, queimadas, tudo transtorna o ar que respiramos. Não há música nos fones de ouvido que façam esquecer esse todo. Do sofrimento das crianças mortas, torturadas, às mulheres assassinadas, no tudo que deve estar acontecendo no interior de muitas casas nesse exato momento.
E mais realidade. O encontro nas ruas com pessoas com fome, essas sim, definhando, definhadas, literalmente. Suplicando, envergonhadas por terem de fazer isso. Fome que transparece no olhar. E não há olhar mais triste do que esse.
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).