9 de maio de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Um dedo de prosa ou um dedo na prosa?

Uma prosinha com os escrevinhadores de plantão, já que aqui não se pode mais fazer críticas contra a turma festiva do Cerrado, que mente aos borbotões. Então vamos cuidar da gramática com carinho gente, porque a situação vai muito mal.

Não é engraçado, nem legal escrever errado, com desmazelo, não acentuar corretamente as palavras, usá-las de forma errônea, não pontuar um texto, separando as frases e os parágrafos conforme as regras, colocando as vírgulas e os pontos nos devidos lugares. Para dizer o mínimo.

Bastaria fazer uma única revisão antes de postar um texto, para ver onde se pode melhorar a fluência e a compreensão do texto, seja escrito ou falado. Garanto que, tantas vezes se leia, sempre haverá alguma correção a fazer. Todo bom redator faz isso inúmeras vezes antes de publicar e, mesmo assim, corre-se o risco de errar.

Porém, não se trata só de escrever, mas de falar também. Há uma profusão enorme de “lives” tomando conta das redes sociais, para tratar de assuntos diversos. Agora, quem não souber fazer “reels” e “stories” está por fora. Os filmetes do Tik Tok, Kwai e outros caíram no gosto popular e fazem parte de nossos dias. Há uma “bobageira” imensa na mídia para se perder tempo ou se desinformar.

As pessoas estão a um clique dos fatos, nas ruas, nas sacadas, nas esquinas. Todo mundo quer vender o “seu peixe”, ganhar seus “likes” e, se possível, ser remunerado pelo aplicativo usado. Então é preciso soltar o verbo e dar o recado, o preciosismo da língua “não vende”. Infelizmente.

Os sujeitos mais contemporâneos, os tais “influenciadores”, são aqueles que estão um passo à frente como produtores de conteúdo – quem diria! Já desenvolveram ferramentas de vendas, estão faturando e dane-se o português. E pior, dão aulas gratuitas com o pretexto de conquistar os consumidores de certo tipo de produto e fazê-los pagar para ter o produto completo. Nada de errado nisso, mas a quantidade de “aulinhas” que há a disposição pode causar um estrago no tempo desmedido que consomem e também uma agressão aos ouvidos.

Anônimos ou conhecidos os influenciadores digitais fazem publicações, diariamente, e também uma verdadeira confusão com as palavras e seus significados. Mas vieram para ficar, então, fuja deles ou torne-se um.

Podemos até admitir que, com a velocidade com que as coisas acontecem hoje, não dá muito tempo para checar informações e tirar dúvidas. Mas, sem regularidade e credibilidade também não há resultados. O desafio é justamente entregar um trabalho honesto e interessante, com o mínimo de erros.

Para ficar por aqui nesta conversa, deixo aqui exemplos recentes de “pataquadas” com as palavras popa, polpa e poupa.

Um bem sucedido influenciador de conteúdo, desses apocalípticos, disse que um certo “dono do mundo não popa ninguém”. Deu para entender, mas o erro grotesco colocou os ouvintes do poderoso na traseira de um barco junto com os malfeitores. Disse repetidamente em um discurso livre, até com acertada eloquência, mas que, na verdade, ele deveria usar o verbo “poupar”.

Outro exemplo veio de uma professora de culinária, muito boa por sinal, que escreveu uma receita numa lousa, à moda antiga, destacando o uso de uma certa “poupa de fruta”. Não dá, é de doer. Até sairia barato se a moça tivesse baixa escolaridade, mas a formação dela não condiz com o desprezo às letras. Se “poupasse a fruta”, não teria sequer uma colher da geleia proposta. Aliás, geleia e ideia, não me conformo, deveria ter o acento agudo, surrupiado numa pataquada linguística além-mar.

Um outro rapaz, nômade digital, falava sobre morar em outro país e recomendou que, para viver no estrangeiro, é preciso “polpar”. Nem é preciso continuar, pois o cidadão recomenda que a pessoa interessada se lambuze com o conteúdo de uma fruta, por exemplo, ao invés de economizar. O que seria admissível se fosse um bebê usando as mãos para comer.

A discrepância entre o volume de informação sem cuidado com a norma culta da língua portuguesa é tão grande, que essa gente toda, que não estuda e nem revê as regras gramaticais, em outros tempos, mergulharia para sempre na fossa abissal do esquecimento.

Afora esses exemplos, há os influenciadores com vários títulos, inclusive de mestrado, usando e abusando da modinha “tipo isso”, “tipo aquilo”, como se adolescentes fossem. Nada engraçado mesmo.

A irreverência é legal e bem-vinda (com hífen mesmo, do contrário seria um nome) em determinadas situações, se os falantes estivessem participando de uma conversa informal entre amigos.

O que mais assusta é não saber aonde isso vai parar e o que será de nosso patrimônio linguístico em poucos anos, pois até mesmo o Enem desinforma.

A profusão de gírias, estrangeirismos, cacoetes verbais e extinção de plurais estão ganhando dos anos rebeldes de 1960 e 1970. Com a ampla diferença de que naqueles tempos a rebeldia produzia muita música boa e poesia. Hoje é uma avacalhação só. Com isso nossa bela língua está indo para o beleléu, para os cafundós, onde Judas perdeu as botas, para a terra de ninguém.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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