30 de outubro de 2024
Ligia Cruz

Pecado original

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“… Eu multiplicarei os trabalhos dos teus partos. Tu parirás teus filhos com dor, e estarás debaixo do poder de teu marido, e ele te dominará”. O trecho destacado foi extraído de Gênesis, o “Primeiro Pecado”, do Antigo Testamento da Bíblia Sagrada, e faz parte da condenação recebida por Eva por ter oferecido a Adão a fruta proibida por Deus.
“E o senhor Deus disse para a mulher: Porque fizeste tu isto? Respondeu ela: A serpente me enganou e eu comi.” Mas Eva não era uma personagem decorativa, criada para aliviar a solidão do varão? Não deveria então ter sido levada tão a sério. Mas o protótipo do macho bíblico não poupou seus esforços em acusar a bela. “Disse-lhe Deus: Donde soubeste tu que estavas nu, senão porque comeste do fruto da árvore, de que tinha ordenado que não comesses? Respondeu Adão: A mulher que tu me deste por companheira, deu-me desse fruto, e eu comi dele”. Adão era um coitadinho torpe. Foi enganado pela curvilínea Eva, de cabelos perfumados a inebriar os sentidos do inocente rapaz, criada para diverti-lo a ponto de fazê-lo pecar.
É de se supor que nem o homo sapiens e nem o Neandertal, espécimes humanos de barro tosco, de 60 mil a 50 mil anos atrás, não tenham existido na vida planetária bíblica. Imaginem os anteriores então, feiosos demais. E mesmo suas companheiras, peludas, espadaúdas, faces escavadas e largas, nada sexies.
Não é de se estranhar o efeito nefasto deste capítulo sobre a humanidade há cerca de dois milênios. Homens traídos e mulheres resignadas ao papel de comandadas por decreto divino. O pecado original descrito no livro mais lido do mundo determina o direito de posse do homem em relação à mulher, por ser ela mera personagem criada por Deus para aplacar a solidão de Adão. E foi a responsável por se deixar seduzir pela serpente e de quebrar o protocolo sagrado do paraíso terrestre.
As interpretações que têm sido feitas através do documento sagrado dos cristãos, seguidas por vários credos, tem esse viés machista de A a Z. Maria era virgem, Madalena mulher da vida, outras devotas ferrenhas, mas não passou disso. E até hoje se discute se havia ou não figura feminina entre os apóstolos.
Agora o papa Francisco rompeu o silêncio que esse tema desperta e afirmou com convicção, em recente viagem à Suécia, que mulheres nunca serão ordenadas “padres” pela Igreja Católica Apostólica Romana. Ou seja, não ascenderão à hierarquia do catolicismo como padres, bispos, cardeais, papa. Esses cargos são para o sexo masculino.
Sem surpresas. Mas esperava-se dele, que tem sido considerado o ícone da modernização da igreja católica, mais. Contudo, a Santa Fé respeita os códigos aprovados em seus famosos concílios. Joseph Ratzinger, quando cardeal, recebeu dois pedidos para levar adiante a discussão para permitir à mulher chegar ao diaconato. Francisco finalmente criou a Comissão de Estudos sobre Diaconisas no Vaticano para avaliar a possibilidade de as mulheres terem mais funções. Porém diácono não é sacerdote. Não pode rezar missas, receber confissões e dar unção a enfermos. A mulher estaria mais valorizada neste cargo de acordo com os que defendem a postulação, mas opiniões entre os fiéis se dividem.
Enquanto outras religiões cristãs que pregam versões do Evangelho abrem postos às mulheres, a Católica perde fiéis, conforme o último censo do Vaticano, de 2012. A mulher não tem ascensão na maior religião do mundo. O papel é sempre o de carola, coadjuvante ou pode chorar em velórios.
Eva e a serpente armaram um complô contra o pobre Adão, que terminou por experimentar o doce veneno. Por isso ele e seus descendentes passaram a pagar o preço do desejo não contido, mantendo suas mulheres omissas, apanhando, sendo abusadas e escravizadas. Nossa ancestral pecadora apanha até hoje através de nós e nunca vai rezar uma missa! Mas será que isso muda alguma coisa? Não, queremos nossa parte em igualdade social e respeito.Vamos orar.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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