27 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Desistir não é opção

O psicoterapeuta e escritor britânico, Adam Phillips, editor de obra sobre Freud na língua inglesa, em seu último livro “Sobre desistir”, rema contra a maré dos que persistem ou se encaixam no padrão politicamente correto da sociedade, mesmo que o resultado não esteja bom o bastante.

Para ele, insistir pode ser considerado uma atitude fascista, uma quase “tortura”. Então, desistir é válido.

Isso seria fácil se o não cumprimento de acordos ou tarefas, sem o peso da cobrança, não tivessem consequências para um dos lados. Os que não dão conta seriam perdoados e tudo bem.

Com essa premissa, o escritor livra os desistentes do banco dos réus e dos adjetivos negativos que alcunham os perdedores. Até porque o não cumprimento de tarefas e não entregá-las, também tem um efeito compensador. A dopamina dos procrastinadores. A sensação garanto que não é um regozijo.

Quem luta contra o mal do adiamento constante sofre derrotas pessoais bastante dolorosas. Justamente por expor, publicamente, talvez, alguma patologia ou desordem emocional. Aos olhos dos outros, as tarefas podem ser relativamente simples. E nem é de nível de dificuldade que se trata, mas de apenas completar. Terminar com um nível de perfeição inatingível é outra coisa. É disso que se trata.

O tema é controverso, tanto que há, hoje, opção até porque lucram com a dor alheia prometendo mundos e fundos, sem efetivamente encontrar uma solução. A questão é não fazer nada?

Pessoas que desistem de tarefas e compromissos são rotuladas ao longo da história como vagabundas, preguiçosas e irresponsáveis e nem sempre são compreendidas e tratadas como quem sofre de alguma patologia ou desordem mental, comum em diversas doenças.

Ao longo da história, o ócio e a preguiça, irmãos da procrastinação, também já foram alvo de escritores e fazem parte do enredo diário de qualquer ser humano. Para uns funcionam como indutores do processo criativo, como escreveu o sociólogo italiano Domenico de Masi em “Ócio criativo”. Para outros uma tortura.

Mas considerar virtuosa a atitude de quem perdoa o ato de desistir por considerar fascista, na prática poderia abrir um precedente para oportunistas e desonestos transgredirem. Como diferenciar?

Não é possível, a menos que se conheça a pessoa que descumpriu o prazo ou desistiu de alguma tarefa anteriormente. Pode ser um fato isolado ou reincidente, com e sem consequências. O fato é que a sociedade não perdoa tais deslizes e regras são regras.

No outro extremo estão os incompreendidos, pessoas que, de fato, sofrem muito por não conseguirem cumprir prazos e entregar as tarefas, seja por dificuldades objetivas ou subjetivas.

Quem está preocupado em ideologizar o verbo “desistir”, impondo a ele uma carga política, muito maior do a palavra em si já tem, é no mínimo suspeito de quem sofre ou já sofreu deste mal. E não concorda com o peso que tem, considerando fascistas os julgadores e cobradores.

Desistir pode ser apenas mais uma forma de dizer que a pessoa não consegue ir adiante e não de que ela seja uma tragédia ambulante. Para isso existem os contratos e as regras de conduta impessoais.

O que tira a questão do esquadro é que Adam Phillips tornou-se o queridinho da esquerda, após interpretar que ser contra o ato de “desistir” é fascista. Portanto, quem faz tudo certinho – em tese, é conservador, adversário do progressista.

Na prática, é uma grande bobagem porque há procrastinadores famosos tanto na direita, quanto na esquerda.

O fato é que o terapeuta se crê qualificado para aliviar o ato de desistir e quem sabe, em alguma medida, não esteja falando de si – do tipo “quem nunca”.

No elenco de muitos virtuosos da humanidade, muitos dos quais procrastinadores, estão Michelangelo, Pierre-Auguste Renoir, Beethoven, Mozart, Sócrates, Sthepen Hawking e outros no naipe. Gente que “desistiu” de trabalhos, mas nunca de seus sonhos e projetos. A constelação de realizadores geniais é grande. Eles venceram estigmas sociais em seus tempos e perseveraram para nos entregar obras maravilhosas. Muitos procrastinaram e desistiram de trabalhos que não os desafiaram o suficiente e nem por isso eram conservadores ou progressistas, nos termos atuais.

Podemos dizer que há uma apropriação por parte da esquerda de autores, artistas, gênios de quaisquer áreas da ciência e das artes, como se estes fossem militantes de suas preferências e achassem que é arte dar cambalhotas nú na praça. Para começar eram outros tempos, talvez não se preocupassem com ideologia, mas com quem contratava seus trabalhos e pagava por eles.

Quem enaltece esse tipo de “pensador” de carteirinha esquerdista, não passa de um ilusionista afeito a defenestrar o trabalho como virtude. O mais incorrigível procrastinador sempre lutou dia após dia para concluir suas obras, para no fim ficarem em paz consigo mesmos. Para enfim sentirem o efeito da dopamina que se sente ao entregar um trabalho.

Na ala dos “certinhos”, não necessariamente fascistas, não há os que inspiram seus seguidores a desistir. Ao contrário, é entre os esquerdistas que se cultivam os mitômanos e o resto como “massa de manobra”. Quem é fascista então?

Nesse mundo dual sabe-se que ninguém vai chegar ao patamar de excelência como protelador ou desistente, independentemente de seu histórico de vida. Daí a taxar como fascista o sujeito que contrata um trabalho e pune os que não dão conta, não é bem assim.

No mesmo radar figuram os que não prosperaram por não saberem vender seus trabalhos ou o fizeram por preços irrisórios, porque sempre duvidaram de suas genialidades e viveram na miséria. Quem os contratava e exigiam o cumprimento de prazos, não eram necessariamente fascistas, nos moldes descritos pela doutrina marxista. Exploradores sempre existiram e não é uma espécie em extinção, até porque os esquerdistas também aprenderam a negociar e cobrar e se saíram melhores na arte de transgredir.

Na hora de contratar, ninguém considera algo do tipo: “tudo bem, seus pais são mesmo horríveis. Você é mais uma vítima da sociedade opressora, por isso bebe, fuma um cigarrinho, atrasa, desiste e tem, portanto, a salvaguarda de cometer erros e ser perdoado por eles.”

O mal do mundo civilizado passou a ser modelo de paradoxos existenciais, vendidos para aqueles que têm os ombros arqueados por carregar o peso da sociedade e vai continuar como tal se depender dos líderes esquerdistas fascistas.

O fato mais triste é que há toda uma geração de zumbis progressistas que deixam o progresso para lá e seguem cegamente personagens ultrapassados historicamente porque alguém disse que é o certo.

E quem não é o pobretão herói, que trabalha duro, mas entrega “o mais ou menos do que o ótimo nunca”, estão as regras de quem contrata, seja de que ideologia for. Nessa hora desistir, nem pensar; o contratado vai para a lista negra dos não cumpridores de regras e desaparece. Ninguém passa a mão na cabeça de quem não entrega e desiste.

O fato é que a atual geração não representa seus antepassados que, certamente, ralaram pesado, de sol a sol para produzir os atuais “coitadões” de mente flácida, que não penetraram na raia dos melhores porque terceirizaram suas principais decisões. Então a questão preponderante não é a de considerar a desistência fascista ou não, mas de incompetência.

Mesmo grandes pensadores, que beberam nas fontes de seus ancestrais, nem sempre conseguiram concluir obras. Foram vítimas de fascistas? Não, muitas vezes foi porque simplesmente não estavam em um bom momento ou não sentiram que não eram o melhor para fazê-lo. Nesse patamar há um número interminável de estudos e pojetos não concluídos, deixados para depois.

Phillips concluiu o ato de “não desistir” como fascista e tudo bem se você não der conta, e abandonar a responsabilidade assumida para chorar sua incapacidade de assumir compromissos, sem se preocupar com os demais, porque o atual papa da psicanálise literária britânica considera o ato de perseverar, concluir fascista.

Aí, o sujeito, vítima de tal sofrimento, desculpa-se por nunca conseguir concluir nada porque o editor de obras freudianas chegou à conclusão de que tudo bem assumir algo, passar adiante de muitos e depois largar no meio do caminho.

Com perdão aos termos nada apropriados, o tal “intelectual” de pastilhas de sal de fruta, aprova os mimadinhos que choram nos balcões de bar em busca da aceitação fugaz de seus iguais.

Seria como recomendar que não fazer nada é melhor do que reagir e vencer. Coisa de conservadores tacanhos.

Lá no império dos donos do mundo, que decide o que você lê, come e toma qual vacina, os Estados Unidos da América não seria o que se tornou se os pioneiros, que migraram da Europa para lá, tivessem desistido no meio do caminho. Hoje, o país não seria líder mundial em muitas coisas – se é que chamar de “coisas” as que culminaram com sucesso dos americanos no cenário mundial.

A disputa pelo topo do mundo está sendo perseguida com métodos de ocupação, aquisição e parcerias nada ingênuas pelos chineses. Não fosse pela cultura do trabalho árduo, sem descanso de um povo que não desiste, a capacidade de fabricar quase tudo, a China não seria a segunda na liderança mundial. Em que pese o seu regime ditatorial de esquerda. Se eles desistissem não seriam exemplos de tenacidade e persistência, com o propósito de liderar o mundo. Desde que nascem eles são educados pelo exemplo do trabalho árduo, sem desistência. Quem contesta fica pelo caminho, no sentido amplo.

Os traseiros flácidos lacradores perdoados por Adam Phillips não são exemplos para desbravadores, corajosos cientistas, estudiosos de todas as áreas do saber. Só para quem acredita nele e na psicanálise chinfrim da desistência, defendida por ele. Exemplo de nada porque quem desiste não supera, não avança e não realiza.

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Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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