1 de maio de 2024
Colunistas Ligia Cruz

A Lava-jato acabou

No último dia 1 de fevereiro o Brasil acordou sem o ânimo costumeiro que tinha ao fim dos sete longos anos da Operação Lava-jato. Acabou com gosto de quero-mais. Agora deu para entender o foguetório de comemoração aqui e ali no primeiro dia deste mês.

A alegria de malfeitores habituados a resolver seus problemas e obter vantagens às nossas expensas foi revigorada. Mas não se enganem, é só uma mudança de fase. A queda de Sergio Moro da vida pública, em meados do ano passado, já tinha antecipado esse estado de ânimo. Aqueles que são movidos por um ideal patriótico ficaram órfãos com a retirada de cena do “herói”. Mas, na queda dos mitos, o saldo é sempre bom. A responsabilidade passa a ser individual.

Contudo, vale o registro, o inacreditável silêncio do dia primeiro de fevereiro. É como se os apelos por justiça fossem todos sufocados. Afinal, o país nunca antes havia visto presidente e vice, ministros, governadores, deputados, senadores, empresários, presidentes de empresas, gente de todos os escalões da República serem trancafiados e convocados a responder por crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta de câmbio, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, obstrução de justiça, tráfico de influência, peculato, estelionato e outros mais.

Estranhamente, o público que ocupou as ruas no Brasil inteiro desde 2013 não se pronunciou. Não demonstrou sequer mínima reação no apagar das luzes. Foi chocante o eco do silêncio. Talvez o acontecimento tenha sido suplantado pela dor maior que a pandemia tem causado.

Respondendo sempre pontualmente e à altura a tantos ataques e tentativas de difamação, a centuria de procuradores e juízes, de todo o país também se calou e deve migrar para dar suporte à outras operações de combate ao crime. Embora não digam, alguns foram ameaçados por aqueles que não têm escrúpulos. São servidores públicos que foram eivados de coragem durante os sete anos, para por atrás das grades tantos personagens da política, da indústria, de grandes empreiteiras, incorporadoras, publicitários, funcionários públicos de vários escalões, doleiros e mais pessoas que faziam parte do plano sórdido e cruel de achacar o país e entregá-lo à escroques nacionais e internacionais.

Em suas infinitas páginas, 80 operações foram realizadas em parcerias do Ministério Público com a Polícia Federal. Além dos tentáculos embrenhados por inúmeros setores da economia nacional, a malha da corrupção envolveu também países da Europa, África e América Latina.
No começo de tudo, em 2014, quando a operação nasceu, no Paraná, o estado virou sinônimo de justiça. De lá vinham as atualizações sobre a atividade criminosa de figuras públicas do país. O brasileiro comum se acostumou a acompanhar as ações de juízes como Sergio Moro e Antônio Bretas e procuradores, como Deltan Dellagnol, Carlos Fernando Lima e Roberson Henrique Pozzobon – e mais 10 nomes do primeiro time. Todos sempre ávidos em apresentar os números das operações deflagradas no país e responsabilizar aqueles que comprovadamente meteram as mãos nos cofres públicos.
A façanha dos procuradores públicos preencheu páginas e mais páginas de jornais e mídia em geral. Sete anos dando nomes aos bois. Muitos dos quais “pistolões” da vida pública e soberbos membros do staff de vários partidos, que se colocaram como senhores da “senzala Brasil”. Até mesmo o lendário presidente Lula, que prometeu libertar o país das mãos da elite maldita, se enveredou pelo gosto refinado e as regalias que o poder dá. Traições incontestes foram reveladas, apesar de tantas apelações, gritaria da militância e das tentativas de intromissão de figuras alocadas no STF. O ex-presidente se tornou o exemplo de político que o brasileiro não quer mais. Foi preso em uma operação após consubstanciadas provas e inúmeras acusações, pesando contra si, por pouco menos de um ano. A esquerda e direita e seus contumazes representantes foram expostos, todos eles, um a um, e isso foi bom. Muitos nomes encabeçaram as infindáveis listas e 120 delações premiadas foram concretizadas. Um entregou o outro com respaldo da lei.
A operação toda também atingiu números grandiosos. São eles: 844 mandados de busca e apreensão, 210 mandados de condução coercitiva, 97 prisões preventivas, 104 prisões temporárias, 6 prisões em flagrante, 4.220 cumprimentos de medidas judiciais, 650 quebras de sigilo bancário e fiscal, 350 quebras de sigilo de dados, 330 quebras de sigilo telefônico, 326 inquéritos policiais, 187 inquéritos em andamento, 1.397 processos eletrônicos abertos. Em valores, R$ 2,4 bilhões em bens foram bloqueados e apreendidos, R$ 745 milhões foram repatriados e R$ 12,5 trilhões relativos a operações financeiras e investimentos totalizados.
Depois de tudo isso, tanto trabalho e empenho por parte do Ministério Público, juízes e policiais, sobram perguntas: foi tudo mentira, como querem fazer crer? Foi golpe no coitadinho e arquibilionário Lula? A crise em que o país se encontra foi gestada na última eleição? Quem se elegeu sob essa bandeira está impune? Não. Não mesmo, para todas as indagações. Vem de longe a trama espúria, é fato. Mas a especialização da atividade criminosa usando dinheiro público tem pouco mais de 30 anos e fez escola no Brasil.
Por outro prisma, em que pesem questionamentos em relação a personagens que lutaram pelo saneamento da vida pública no período de 2014-2021, todos foram bravos brasileiros. Fizeram seu papel para desnudar o que estava encoberto. Sem esquecer, especialmente, do ministro e relator do processo na corte suprema, Teori Zavascki, que desapareceu em 2017.
Entre tantos esforços de maus brasileiros para denegrir a Operação Lava-jato, é certo que a vida pública no país jamais será a mesma. A conta de tudo que foi desviado e roubado dos cofres públicos, devidamente apurada nas investigações, está em trilhões de reais. Agora, os despojos dessa enorme ação de justiça em todas as frentes estarão a cargo do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
A nova etapa engloba agora o envolvimento das facções criminosas nas entranhas do poder e nos segmentos da sociedade. Será um trabalho hercúleo e perigoso. Portanto, os velhacos desmascarados podem tirar o cavalinho da chuva, não tem volta atrás.
Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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