8 de maio de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Sonhos e monstros

Tive um sonho, quando criança, do qual não me esqueço até hoje. Minha tia, a pessoa que mais amei, ao lado de meu avô, morava na Vila da Penha – então um bairro aprazível da Zona Norte. Hoje desandou, como toda a cidade. “Acontecências”.

A casa ficava nos fundos, e o acesso era através de um longo corredor. No sonho, eu estava lá dentro, sozinho. E, lá fora, no selvagem jardim que minha tia (não) cultivava, uma imensa pantera negra – um dos animais que eu mais amava quando guri.

(Psicólogos de plantão, por favor, não interpretem o sonho. Não estraguem, com ciência, uma das recordações mais bonitas que tenho)

O bicho farejava, sabedor que eu, aterrorizado, estava lá dentro. É claro que, sendo um sonho, ela daria um jeito de entrar. Pensei em um plano. Quando ela estivesse nos fundos da casa, eu me esgueiraria pela porta da frente, ganharia o corredor – e a liberdade.

Abri a porta, e cautelosamente cheguei ao quintal. E claro que a pantera percebeu e partiu em meu encalço – eu corri, tão rápido quanto minhas pernas de menino de 8 ou 9 anos permitiam, com o animal rosnando em meu encalço.

Estava quase chegando ao portão quando tropecei e caí, esperando me esborrachar espetacularmente nos paralelepípedos da rua. E aí vem a epifania, da qual lembro perfeitamente até hoje, meio século depois.

Eu tropecei mas, em vez de cair, eu ABRI OS BRAÇOS, e simplesmente DECOLEI, amigos e vizinhos, voando TRIUNFALMENTE sobre a rua, deixando a casa – e a pantera – lá embaixo, distante e feliz.

É a essa recordação tão vívida, essa sensação tão inequivocamente benfazeja e real, ao qual me aporto em momentos de turbulência na vida, como os que estou passando agora.

Sei que passará, como passam todas as coisas debaixo do sol.

E eu, voltado a menino novamente, simplesmente abrirei meus braços, tornados asas, e alçarei vôo.

Sonho? Acho que não.

Imagem: Joseph Agamol)

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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