9 de maio de 2024
Colunistas Joseph Agamol

O menino acordou às seis, como sempre

Caminhou em silêncio até a sala, os pés descalços no velho piso de sinteco danificado. Evitou com cuidado os pontos em que os tacos soltos faziam barulho e viu a TV, fora do ar, a tela apenas um chuvisco de estática, sintonizada na Tupi.

Na cozinha, esvaziou o que restara de leite no saquinho plástico da CCPL, e mastigou um pedaço de pão com Doriana. Voltou à sala, desligou o aparelho, ajeitou a antena com pedaços de Bombril espetados e calçou os kichutes pretos, as travas já desgastadas. Passou a mão no casaco azul-marinho da escola, abriu a porta com cuidado, trancou e deixou a chave no vaso de Comigo-ninguém-pode. Ganhou a rua.

Ainda não havia amanhecido completamente: o vizinho passeava com seu pequinês de nome Sheik, uma moça falava – àquela hora?! – no orelhão, o jornaleiro da esquina mal tinha pendurado os jornais: O Dia, A Notícia, Última Hora, o Jornal dos Sports. Parou para ler um destaque: Bangu e América fariam o clássico daquele domingo. Sorriu. O América venceria, claro, com seu timaço, Luisinho, País, Flecha. No bar em frente à banca, tocava ”O Portão”. A última dupla de policiais encerrava seu turno.

No fim da rua, crianças de todas as idades e cores se reuniam: era um dia especial. Mais um Vinte e Sete de Setembro. Os bandos percorreriam as calçadas até bem depois do sol se pôr, afinal, voltando para casa, jovens caçadores com sacolas cheias de cocôs-de-rato, peitinhos-de-moça, pés-de-moleque, suspiros e balas. Ainda fazia frio. Logo estaria na cama, por volta das 20h, com seu radinho de pilhas ouvindo a Tamoio ou a Mundial.

Até dormir, feliz.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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