Fui assistir “Barbie”. Fui desarmado, disposto a ignorar as opiniões de ambos os lados, até com uma certa boa vontade: a dupla de protagonistas é ótima, afinal, e isso muitas vezes ajuda.
Uma conclusão óbvia é que não se trata de um filme para crianças. Esquece. Há questionamentos e reflexões que exigem um certo grau de maturidade, que não é formada antes até da adolescência, talvez.
Em certos momentos, “Barbie” resvala num panfletarismo ingênuo digno de um diretório acadêmico de uma universidade federal. O mundo é mau. É mau porque existe o patriarcado malvadão. É mau porque os homens malvadões oprimem as muié boazinha.
É essa visão dualista e distorcida em preto e branco que é passada para quem assiste. A Barbielândia é um mundo perfeito porque as mulheres, todas Barbies, dominam, todas perfeitas e puras – há, no máximo, espaço para uma “Barbie Estranha”. Por outro lado, todos os homens são “Kens”, todos igualmente obtusos e submissos, facilmente manipuláveis.
Ao viajar para o mundo real (“dos homens”), Barbie se surpreende com uma nova e desconhecida ordem – que lhe parece perversa e incompreensível. Ao retornar, descobre que a outrora perfeita Barbielândia foi “contaminada” pelos Kens, que tomam o poder e reproduzem o patriarcado malvadão – que, obviamente, é esquemático e obtuso, como são os “Kens”.
É essa paródia grotesca e simplória que é apresentada em quase duas horas de projeção. É tão bizarro que cheguei várias vezes a me perguntar se a intenção era mesmo essa ou se havia um “filme dentro do filme”, uma ironia tão fina que não cheguei a captar por inteiro.
Não se trata de negar a opressão que afetou mulheres, ontem e hoje, e que, felizmente, está sendo combatida, com maior ou menor eficácia.
Mas de negar a ideia que permeia todo o filme, de que o mundo é mau para as mulheres. O mundo é mau, sim, para as mulheres E para os homens, em graus diferentes de perversidade: homens morrem mais em guerras, homens sofrem mais assassinatos e doenças mortais, homens vivem menos, existem mais homens em situação de miséria do que mulheres…
Parece que, para os autores do filme, os homens vivem em uma verdadeira “Kenlândia”, onde tudo é belo e cor-de-rosa. Ops, azul. Urge, portanto, substituir o maravilhoso mundo masculino pela igualmente maravilhosa Barbielândia. Trocar um sistema de dominação por outro, afinal.
É essa visão, ao mesmo tempo bela e utópica e aterrorizante e distópica, que vem embalada pelas cores brilhantes do filme.
Não se trata de buscar igualdade – mas de assistir o crepúsculo dos Kens e a aurora das Barbies.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.