Em 1976 eu era um fedelho de 11 anos que devorava com igual apetite livros e gibis, filmes e música. Mal sabia eu que o que considerava apenas pura e prazerosa diversão estava formando um substrato sólido de densas memórias – e, como mais tarde eu saberia, de uma das últimas eras de ouro da humanidade.
O mundo era mais simples, de cores mais fortes, sabores mais intensos e sentimentos indomesticáveis. Não sabíamos que, tão poucas décadas depois, a vida se tornaria diluída em sépia, por homens fragilizados e mulheres confusas, um pavoroso teatro de sombras onde quase todos são apenas simulacros de seres humanos.
Eu dormia num colchão no quarto, com apenas uma colcha de chenile – ou cheline, que droga, não aprendi até hoje – para me aquecer nas deliciosas noites de inverno carioca, e um radinho de pilhas, vermelho, que enfiava embaixo do travesseiro e ficava ouvindo as canções-pérolas de 1976 – quando o rock ainda era bom e a proto-disco music ainda não conhecia Travolta e os Bee Gees.
Foi em 1976 que Elton John e Kiki Dee, ambos com 29 anos, gravaram uma das mais saborosas músicas da História – junto com “Dancing Queen”, do Abba, e “Burning Love”, de Elvis: “Don’t Go Breaking My Heart” tocava dezenas de vezes ao dia e eu pensava que, se se pudesse engarrafar felicidade, o conteúdo seriam as notas, acordes e vozes dessa canção.
E hoje vi, pela primeira vez, o vídeo gravado por Elton e Kiki, que consegue ser tão fresco e delicioso quanto eu poderia imaginar, o jovem Elton em seu terno berrante, Kiki Dee em uma jardineira e franjnha que a deixam bastante charmosa, Elton fazendo as graças de sempre, ela dançando meio desajeitada, mordendo os lábios e… caras, assistam.
É um testemunho vivo do que deixamos perder pelo caminho.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.
