Parece começo de crônica do Nelson, mas não: eu mordi uma fatia de pizza e quebrei o dente. E não um dente qualquer: foi logo um dos da frente. E, para arrematar, numa sexta à noite. Quem, senão eu, o cara que já conseguiu se cortar com um pedaço de pão – depois conto essa – quebraria o dente com uma flácida fatia de pizza?
E foi assim, sem cerimônia, logo na primeira dentada – óia, o corretor mudou “dentada” para “sentada”, ainda bem que estou atento, como naquela canção do Ney – , e meu incisivo fendeu, se abriu como os cabaços de Honório, aqueles que Aldir Blanc imortalizou.
Para encurtar a prosa: achei uma dentista na tarde de sábado, ela fez um remendo, cimentou com resina e recomendou que eu não mordesse nada, até que ela pudesse fazer algo menos emergencial. Recomendação esta que foi prontamente desobedecida, pois, mal cheguei em casa fui comer pão – e o dente, frágil como tem sido as defesas do Mengão, se abriu generosamente.
Voltei à dentista, que me recebeu com alegria, me desancando com satisfação. Ela decidiu arrancar o dente, e pôr um pino para segurar melhor, até a extração definitiva e implantação de um novo: já que o quebrado se revelou frágil como um veadinho de cristal da Svarovsky. Disse que ia me anestesiar. Interrompi.
- dra., tenho pavor de ficar com boca mole. Carece de anestesia não.
Ela me olhou, com certeza achando minha macheza um tanto incipiente.
- vai doer. Pacas.
- dra., sou carioca, nascido e criado na favela. O favelado é antes de tudo um forte.
Ela me olhou, zombeteira.
- não seria o nordestino?
- pode ser também. Mete o boticão.
Assim que pronunciei a frase, notei que soou meio dúbia, mas vá lá: palavra falada e flecha lançada não voltam atrás. Estou cheio dos ditados hoje.
E assim foi. Ela sacou o boticão e sacou o dente, tendo eu propiciado o que considero que deve ser o momento mais divertido da profissão de dentista, a saber, o prazer medieval de pôr o pé no peito do cliente e arrancar um dente renitente. Até rimou.
Estão se rindo, mangando d’eu, né?
Cuidado: quem com porcos fere, com porcos será ferido.
Só para encerrar com um ditado prenhe de sabedoria, viu?
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.