27 de abril de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Ele pôs “Give me Strenght”…

De Eric Clapton, para rolar no Spotify, pela sétima ou oitava vez. Estava triste de novo.

Repassou os métodos que poderia usar para pôr fim a tudo. Não queria deixar sujeira para ninguém, claro – era virginiano, embora não acreditasse em astrologia. Também queria pouca ou nenhuma dor.

Pensou o quão adequado seria apenas pegar a estrada até alguma colina esquecida no Utah.

Mas seu plano preferido ainda era replicar o método do juiz Wargrave, de “E Não Restou Nenhum”, de Agatha Christie – “mudaram o nome do livro, que droga.”, pensou, não pela primeira vez – buscar um criminoso impune, puni-lo, deixar-se capturar e aguardar a sentença, de preferência no Texas, onde a pena capital era muito aplicada.

Enquanto Clapton cantava: “Senhor, me dê forças para continuar…”, ele organizou, mais uma vez, os talheres e a xícara de café sobre a mesa, formando um padrão perfeitamente lógico e ordenado: pronto, o Universo estava salvo. Quer dizer: quase. Os ocupantes da mesa ao lado não tinham o seu conhecimento do quão importante é distribuir de forma adequada os sachês de açúcar, canecas, pratos e afins. Droga. Quase levantou para fazer, ele mesmo, a organização.

Estava ainda imerso em seus planos para acabar com tudo de vez quando a criatura que ocupava a mesa próxima à saída levantou-se, rasgou a garganta do atendente que bloqueava, sem querer, a porta, e fugiu.

Ele suspirou. O wendigo – porque era disso que se tratava – tinha notado sua presença, apesar de todo o seu cuidado. Ou talvez não tivesse sido tão cuidadoso quanto esperava. Era só o que faltava: triste, ansioso, com TOC – e descuidado.

O som da cafeteria começou a tocar “Forever Man”. Clapton, claro. Ele considerou um bom sinal. Tocou, com carinho, os 38 Special de cabo de madrepérola acondicionados nos coldres e mergulhou na noite.

Acabar com tudo teria que esperar.

Havia a droga de um monstro que tinha furado a fila.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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