3 de outubro de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Carta aberta a Greta Thunberg

Hoje eu li o ótimo texto de um amigo, o Paulo Cursino, que falou sobre a Greta. E eu lembrei do texto que escrevi sobre essa moça, há uns 3 meses, quando ela passou a fazer parte do noticiário e da meme-grafia. Não mudo uma vírgula do que escrevi então – mesmo sabendo que vou perder mais alguns amigos. Segue meu texto.

Carta aberta a Greta Thunberg

Antes de mais nada, saiba que não farei troça dos males que a afligem, sua mente e sua alma – você já deve ter sofrido pacas com isso, quase todo adolescente sofre!

Eu, que já perdi a conta de há quantas luas deixei de me incomodar por ser grande demais, estranho demais, tatuado demais, ainda lembro da dor que sentia – e de como agarrei essa dor, olhei bem fundo nos seus olhos translúcidos, e a transmutei, senão em amiga, em alguém a quem eu podia dar as costas.

Nada de troça por aqui, portanto.

(“Troça” é como nós, os jecas, chamamos a lâmina cega do tripúdio.)

Greta, você é muito brava, moça!

“Brava” no sentido de quem segura uma mágoa profunda, que rompe barragens e irrompe na forma de seus lábios crispados em esgares que transformam suas feições – quando seu sorriso é tão doce e bonito, que eu sei, que eu vi! Juro!

Moça, sua mágoa a feriu tão fundo que a levou a acusar a todos de terem roubado sua infância.

Greta, você é sueca, nascida em um país belíssimo e rico, em todos os sentidos. Por aqui nós temos muito a contar sobre infâncias roubadas, mas roubadas a ferro e fogo, sabe?

São favelas e lixões, são tráficos e escolas abandonadas, são tantos nomes que não fariam sentido algum para você, mas eu recito assim mesmo, numa quase prece e num berro de protesto:

Maré, Adeus, Baixa do Sapateiro, Vila do João, Perereca, Parque União, tem até uma Nova Holanda, viu, para falar só das que eu vivi e convivi quando tinha sua idade.

Eu sei, moça brava, que dinheiro não é o caminho da felicidade. Eu sei bem.

Mas eu acredito que o caminho para a felicidade é uma estrada enlameada, cheia de buracos e pedras cortantes.

E o dinheiro ajuda a aplainar esse caminho, sabe, pavimentar, cobrir com umas luzes sinalizadoras e asfalto bom?

Você é jovem, Greta, e um de nossos escritores maravilhosos – sim, nós temos um monte deles, o maior é Guimarães Rosa, minha opinião, sabe, ele nunca ganhou um Nobel, o prêmio do seu conterrâneo, azar do Nobel, né?, que não tem a honra de premiar Guimarães – mas eu me distraí, um de nossos escritores dizia algo sobre sentir raiva o tempo todo.

Nelson Rodrigues escreveu que os jovens deviam envelhecer, rapidamente, e, quando isso acontecer, sua raiva vai aplainar, igual ao caminho que citei um tanto cinicamente antes nessa carta, e quem sabe você vai voltar a sorrir mais.

Você diz que também roubaram seus sonhos – Greta, a vida é especialista nisso, moça! Que droga! Mas É!

A Vida é aquele tira malvado dos filmes de Hollywood dos anos 80, você provavelmente não viu, mas é.

E, se você deixar – se você DEIXAR – esse tira malvado vai lhe algemar, moça, lhe colocar numa cadeira e pôr uma luz forte na sua cara, até que você não aguente mais e conte tudinho. Até o que você não fez.

E eu tenho algo a lhe dizer sobre isso: o tira bonzinho – sempre andam em dupla, sabe, nesses filmes antigos e demodê? – o tira bom, o Stallone, não vai aparecer para lhe salvar.

Esse é um trabalho que só você poderá fazer. Só você.

Eu sei, porque fui jovem, e sentia raiva o tempo todo, até ficar pesado demais para eu aguentar tamanha carga sobre meus ombros e meu espírito.

Eu só posso dizer sobre tudo isso que tente esvaziar o riacho de sua alma que está de mágoa até desbarrancar as margens da sua mente.

Pode não parecer, mas o tempo que carregamos em nós é um fragmento do que está lá fora, e, ao fim e ao cabo, eles vão se tornar um só.

E, talvez, após tudo isso, você possa se recostar em uma pequena ponte de madeira sobre o rio que corre dentro de si mesma e contemplar suas águas tranquilas.

E libertar o sorriso da prisão de sua alma.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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