Sou o tal do “carioca da gema”, mas, excetuando-se eu amar o Mengão, café e feijão preto, não necessariamente nessa ordem, nunca fui um típico carioca.
Carnaval, por exemplo: preferiria facilmente fazer uma limpeza de tártaro, à moda antiga, do que participar de um “desfile” de blocos no Rio.
O rastro de devastação deixado pelo carnaval carioca aumenta a cada ano, e eu lembro com exatidão a primeira vez que me refugiei em Sampa para fugir do tal “tríduo momesco”: era 2009.
Em 2009, até mesmo a praga dos blocos no Rio não estava plenamente desenvolvida, embora já me incomodasse a ponto de comprar passagens para a tal “terra da garoa”.
Cheguei e fiquei imediatamente encantado: não havia um único confete no chão, nem uma mísera serpentina, sequer um folião – palavra que me causa arrepios.
Virei fã do não-carnaval paulista, e, ao longo do tempo, da cidade de São Paulo em si, muito mais a ver com meu caráter ensimesmado do que a alegria muitas vezes fictícia do Rio.
Alguns anos depois descobri a Paulista. Seus prédios históricos, suas ruas transversais encantadoras, seus cafés, suas livrarias. Peguei o hábito de ir aos finais de semana para lá. E até durante a semana, quando era possível.
Nessa época, por volta de 2014, o que me encantava era a ausência do sentimento de insegurança que havia no Centro do Rio. Eu caminhava na Paulista e não via, praticamente, população de rua ostensiva, “menores” agindo em bando, assaltos e ataques com facas, paus e pedras. Tudo que vascularizava o centro carioca.
Pouco a pouco isso foi mudando. Os tais “menores” – alguns deles maiores que meus 1,85m – com seus cobertores começaram a aparecer na Consolação. Principiaram a invadir o espaço quase sagrado da livraria Cultura e da Fnac.
E, por fim, chegaram os blocos cariocas.
Hoje eu soube que houve um arrastão na Avenida Paulista, em pleno domingo.
Acho que podemos dizer que o processo de rio-de-janeirização de São Paulo está completo.
E eu me sinto como um antigo romano contemplando a dissolução de uma era.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.