28 de abril de 2024
Colunistas Joseph Agamol

A minha cafeteria ideal – e o que menos importa nela é o café

Minha cidade é pródiga em cafeterias – livrarias nem tanto, que pena: tivemos quatro, todas fecharam. Mas cafeterias fazem sucesso aqui. Abriu uma nova, fui conferir. Passei na porta: a fachada toda com vidros espelhados. Segui em frente: ainda que o café servido talvez fosse maravilhoso, simplesmente não era para mim.

Minha cafeteria ideal precisa de uma dose de sombras. Preciso entrar lá e sentir que passei por um portal e estou, sei lá, no Queens, em abril ou outubro. Em minha cafeteria ideal é sempre outono, quase inverno, princípio de primavera. As pessoas entram, tiram seus casacos e dão um sorriso de alívio.

Minha cafeteria ideal tem um toque de toca: de hobbit. Precisa ter cheiro de café, claro, mas um leve aroma de livros antigos, onipresente, também é importante. Aliás, na minha cafeteria ideal há estantes repletas de livros, tantos, que uns se sobrepõem sobre os outros, as lombadas desgastadas, margens anotadas, mas ainda com títulos discerníveis: aqui um Machado, ali um Pessoa, acolá um Tolkien. Sem esquecer os novos lançamentos: “Jaws”, de Peter Benchley, “Day of the Jackal”, de Frederick Forsyth, “Poirot’s Last Case”, de Agatha Christie.

Na minha cafeteria ideal haverá uma vitrola, claro, e pilhas e pilhas de discos de vinil, com os mais recentes sucessos: “Brandy (You’re a fine girl)”, do Looking Glass, “Dancing in the Moonlight”, do King Harvest, “Portobello Belle”, do Dire Straits, “Heart of Gold”, de Neil Young.

Vocês podem perguntar: “e o café?”. Olha: com tudo isso, nem precisava, mas é inesquecível, quente, encorpado, espesso.

Você pode entrar, sentar à janela, pedir uma canção e olhar pela vidraça, o café aquecendo suas mãos, o tráfego lá fora, Corvettes, Impalas, Pontiacs…

A minha cafeteria ideal é onde me refugio quando o século 21 oprime demais.

Minha cafeteria ideal não é um lugar:

É um QUANDO.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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