Ela sentou no banco alto da padaria e pediu um café. Preto. Forte. Puro. O atendente perguntou, como se não tivesse entendido:
– açúcar ou adoçante?
– nada. Puro. Só café mesmo. Preto. Forte – repetiu, sem sinal de impaciência na voz.
– mas a vida já é tão amarga, dona! – o atendente quase gritou.
Ela achou graça, não tanto da graça sem graça, mas do tratamento, “dona”, quem usa ‘dona’ nos dias de hoje, gente, só o Pica-Pau naqueles desenhos antigos!
A lembrança quase a fez engasgar com o café e cuspir tudo no balcão, em mais uma cena de cinema. Pastelão.
Respirou fundo, sufocou mais um acesso de riso, e mexeu o café. A colher estava limpa, quase imaculada. Incrível.
Bebeu o café que restou de um só gole e pousou o copo no balcão. Pediu uma Coca. Zero! O atendente olhou desconfiado. “Maluca”, estava escrito em letras garrafais na testa dele. Ela sorriu de novo.
Começou a tocar uma música no rádio. Uma que falava de mulheres que dizem sim por uma coisa à toa e de homens com renda que oferecem prendas, qualquer coisa assim.
Ela franziu a testa, erguendo uma sobrancelha, inconscientemente repetindo o gesto de sua mãe, quando ficava brava.
A mãe que lhe ensinara desde cedo a não depender de ninguém, “nem homem, nem mulher, nem E.T., nem nada!”, assim, com essas palavras, reforçando cada uma com o indicador apontando para a menina que olhava de olhos arregalados e coração aberto.
A mãe que a tivera solteira e dessa forma permanecera por toda a vida, dando duro todo dia para que a filha estudasse, entrasse – e saísse formada – de uma universidade
E que lhe dissera para jamais aceitar ser vítima – ou carrasco – de ninguém.
Lembrar da mãe a fez sorrir outra vez.
Pensou que estava confirmando o hipotético diagnóstico de maluca dado pelo atendente, mas e daí? Não era a mãe que também sempre dizia que “quando você paga seus boletos você tem o direito de não dar pelota para o que pensam de ti, fia!”?
A música que pretendia homenagear as mulheres mas que para ela soava como desrespeito terminou – ufa! – e começou a tocar “More Than a Woman”, canção antiga dos Bee Gees. Ela não pôde deixar de sorrir – de novo, doida! – com a sincronicidade. E com o repertório eclético da rádio.
Pagou o café, a Coca, acrescentou um Trident de menta, deixou uma imerecida gorjeta e saiu, os saltos de suas botas country fazendo toc-toc-toc no linóleo.
Entrou no carro e ligou o som. Abriu o Spotify. A primeira música de sua playlist era “Respect”, com Aretha Franklin.
Ela deixou o riso represado fluir livremente agora, gargalhou até o rosto ficar vermelho e os pedestres espiarem curiosos e por fim rirem também, com a cena da moça bonita recostada no banco e se abanando com as duas mãos, a despeito do frio de 5 graus lá fora.
Quando Aretha foi substituída por Leonard Cohen cantando “Winter Lady” – sim, ela tinha uma playlist só com músicas sobre mulheres, me julguem! – ela já tinha recuperado o fôlego.
O que a mãe dizia sobre isso, gargalhar feito doida no meio da rua? A mãe tinha um dito sobre tudo!
Se riu.
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