26 de julho de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Tudo dentro da lei

Diálogos contemporâneos no mundo dos negócios.

Foto: Hélvio

Na luxuosa sala de espera está um jovem adulto: perfumado, barba aparada, terno elegante, gravata, calças justas pega-frango, sapatênis sem meias, músculos de academia, tatuagens e harmonização facial. A secretária convida-o a entrar na sala principal. Homem de meia-idade, ligeiramente grisalho e igualmente bem-vestido, cumprimenta o jovem e indica a poltrona Charles Eames de couro.

– Assente-se, por favor. Como posso ajudá-lo?

– Obrigado. O doutor é um advogado bem-sucedido e poderoso, me disseram…

– Bem-sucedidos e poderosos são nossos clientes – sorri, envaidecido.

– E especialista em direitos autorais, certo?

– Sim, às suas ordens.

– Bem, minha expertise consiste em subtrair bens alheios de valor e integrá-los ao patrimônio pessoal. É meu core business, viemos de uma longa tradição familiar; anos e anos nessa modalidade…

– Excelente setor; cheio de oportunidades! O governo até incentiva esse tipo de negócio.

– Sabemos que inovação e criatividade são fundamentais. Por conta do know-how adquirido, adotei mais um approach original. Após intenso brainstorming, optei pelo uso de motos, uniformes e acessórios similares aos dos entregadores de pizza e encomendas…

– Fantástico!

– A governança corporativa facilitou a abordagem e o consentimento dos clientes no momento da persuasão e transferência compulsória de bens: automóveis de luxo, celulares, laptops, joias, relógios e demais itens desse target. Tal modus operandi vinha dando lucros crescentes e colocando-me na liderança do segmento. Porém, como costuma acontecer em cases de sucesso, agora enfrento o inevitável benchmarking…

– É sempre assim…

– Poucos meses depois, muitos concorrentes imitaram-me na idêntica especialidade mercadológica – mas com baixa qualidade, prejudicando nosso branding, percebe? O doutor acha que caberia processá-los por plágio, apropriação indébita e assim preservar meu market share?

– Perfeitamente! É uma causa bastante usual hoje em dia. No seu caso, sugiro medidas complementares com novos players.

– Por exemplo?

– Uma assessoria de comunicação eficaz e proativa. Temos partners competentes com larga experiência nas áreas de subtração e ocultação de ativos no Brasil e no exterior.

– E qual seria a tática dessa gestão?

– Através de ações de alta capilaridade nas mídias tradicionais e plataformas digitais, vamos otimizar sua imagem, neutralizar conceitos negativos e configurar a atividade como algo inédito, moderno e, principalmente, inclusivo. Adotaremos compliance para sensibilizar formadores de opinião. A inteligência artificial definirá com mais clareza seu público-alvo, permitindo atingi-lo com precisão.

– Hum-hum. Gostei desse “alvo” e do “atingi-lo”. E quanto aos possíveis contratempos legais, aborrecimentos desse teor?

– Fique tranquilo. Garantimos impunidade total em qualquer instância com vultosos depósitos para eminentes titulares de contas em paraísos fiscais. Poderemos alocar verbas também para ONGs; cachês de artistas, âncoras da TV, influenciadores… Coisas assim sempre geram empatia; montaremos um networking perfeito.

– Ótimo, estou confiante. Pessoalmente, já contratei um novo coach e investi no endomarketing. Veja meu terno: Armani, última coleção. A gravata é Prada. Sapatos, Ermenegildo Zegna…

– Parabéns!

O jovem adulto leva a mão à cintura e saca uma pistola Glock G-5.

– Esta também é de grife, doutor; custou uma nota. Passa o Rolex, o iPhone, as canetas de ouro, as correntinhas, o notebook e as chaves do Porsche que tá na garagem. O senhor acaba de entrar pro meu portfólio.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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