28 de abril de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Rebeldias

Desvios e trombadas no ambiente de trabalho.

Foto: Editoria de Arte

O diretor de uma rede de lojas revelou-me um de seus problemas do momento: um “turn over” inédito; difícil alguém parar no emprego. Ele construiu uma empresa bem-sucedida com salários acima da média; treinamentos, vantagens e oportunidades para funcionários progredirem, mas nunca enfrentou fenômeno assim.

Para ele, o perfil de moças e rapazes do primeiro emprego no varejo mudou demais. Com exceções, poucos ajudam nas despesas da família. Há gastos absurdos com a aparência – roupas, tênis, celulares, tatuagens. Os cartões de crédito estouram; os salários somem na primeira semana do mês. “Também já tive 18 anos e fui vaidoso, mas está assustador” – diz ele. No contato com clientes, descaso e indiferença. Mesmo após treinamentos, pouca gentileza, pouco “bom dia”, olhos voltados para as fofocas no onipresente celular.

Se um gerente reclama, corrige uma falha ou os repreende, eles reagem, emburram ou até pedem demissão por tolices. E, dependendo dos humores do momento, ainda “se ofendem”; a susceptibilidade anormal dessa geração também contaminou empregos. Na sequência, surge um advogado oportunista com acusações adicionais de preconceito, fobia, injúria, difamação, dano moral etc.

Alguns aspectos que ele citou também já percebi nas lojas e lanchonetes. Há balconistas que sequer nos olham, sequer resmungam o “obrigado” regulamentar. Nos supermercados, novo perigo: atropelamento por carrinhos dos jovens dos aplicativos de compras e de repositores em disparada, alheios aos demais humanos. Recomendo: faça um seguro antes de adquirir suas próximas batatas.

Segundo o empresário, no fundo há questões mais delicadas e que desafiam seu pessoal de RH. Uma delas é a frequente incapacidade de aceitarem a autoridade e a hierarquia, preceitos básicos de uma organização. Outra é o sonho incerto da maioria: um sucesso na internet como artista, influenciador ou similar, tornando-se bilionário sem esforço, chefes, horários. Em casa, auxílios do governo somados garantem as despesas da família. Então, para que trabalhar?

Rejeição à hierarquia e à autoridade seria um traço daqueles jovens oriundos de famílias desestruturadas, ou mais humildes, ou com formação primária em busca do primeiro emprego no varejo? Um antigo colega, profissional renomado de marketing, contou-me casos curiosos de trainees recém-saídos da faculdades de comunicação – portanto, amostras de outro universo.

Numa agência de publicidade ou num jornal, faz parte da rotina o jovem submeter seus trabalhos a um superior, profissional mais experiente. Este pode fazer mexidas, recomendar melhorias, sugerir enfoques diferentes. Meu amigo conta que, agora, muitos estagiários e novatos também se arrepiam; retrucam; não admitem a menor crítica em suas obras-primas.

Outra mania dos neófitos: anúncios ou reportagens desviam-se das funções principais (a mercadológica: atrair o potencial cliente – ou a informativa: “quem”, “o quê”, “onde” etc.) e se transformam em panfletos ideológicos com as convicções do autor. De fato, já vi comerciais surreais “politizados” e também militância deslavada em telejornais. Convictos de suas missões de heróis salvadores do mundo, apresentadores fazem da escolha das pautas oportunidade ideal para ativismo a favor ou contra determinado fato.

Aprendizado envolve esforço, disciplina, humildade, saber engolir sapos e foco no futuro. Porém, tudo indica que aí estão os efeitos da educação trazida de casa, das escolas e – creio eu – captadas do baixo-astral nacional dominante, já que a afronta à lei e à ordem, a corrupção, a violência banalizada e a justiça conspurcada inspiram e estimulam crimes e transgressões. A maligna cultura do “todos os meus direitos e nenhum dever” também invadiu postos de trabalho, atrapalhando carreiras e botando gente promissora na rua.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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