10 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Ratinhos no parque

Alertas e conclusões de um estudo intrigante

Foto: Acir Galvão

Dr. Bruce Alexander, PhD; psicólogo, professor emérito da Universidade de Vancouver e autor de vários livros vem dedicando sua vida ao estudo dos mecanismos dos vícios e históricos de indivíduos dependentes especialmente de cocaína e heroína. Ele passou muito tempo acompanhando pacientes em clínicas de reabilitação nos EUA, Canadá e em outros países. Analisou, pesquisou, remexeu dados, conversou com dependentes. E com base nisso criou uma teoria interessante, polêmica – mas digna de reflexão.

A morfina é um remédio proveniente do ópio e graças ao seu altíssimo poder analgésico é aplicada como medicação em pacientes com dores fortes. A heroína é um de seus derivados, porém com presença habitual nos ambientes marginais, digamos assim. A morfina utilizada nos hospitais é até mais pura (e mais potente) do que aquela vendida pelos traficantes, já que não contém os aditivos que dão mais volume e mais lucro. Dr. Bruce constatou que pacientes tratados com morfina em hospitais por conta de fraturas graves, cirurgias complicadas ou pós-operatórios delicados não apresentaram dependência posterior da droga, com raras exceções.

Até há pouco, grande parte dos estudos sobre dependência dessas drogas baseava-se na clássica experiência de laboratório com cobaias. Pegava-se um rato, confinando-o numa gaiola onde existiam duas “mamadeiras”: uma com água comum e outra com água misturada à droga. Com o tempo, o bichinho se viciava na segunda mamadeira e, se privado dela, enlouquecia.

Dr. Bruce resolveu caminhar em outras direções. Percebeu logo que o ratinho solitário naquela gaiola não tinha mais nada a fazer a não ser beber das mamadeiras, ansiosamente. Isso foi muito importante para o passo seguinte e para o surpreendente sucesso de sua própria metodologia batizada de Rat Park – Parque dos Ratos.

O que ele fez? Montou novas gaiolas com as mesmas mamadeiras das antigas. Só que introduziu elementos extras – brinquedos, túneis, rampas para escorregar, bolinhas – e, sobretudo, colocou não apenas um rato, mas uma porção deles, permitindo o saudável convívio dos machos e fêmeas. (Sim, namorar também podia). Tanta atividade lúdica dava sede e aí os ratinhos bebiam das duas mamadeiras sem demonstrarem maiores preferências. Resultado? Pelas avaliações posteriores, os casos de ratinhos viciados em drogas no ambiente do parquinho despencaram assustadoramente.

Em seguida, o psicólogo mergulhou no universo dos humanos – veteranos da guerra do Vietnã, já que o uso da morfina era quase banal, minorando as dores dos ferimentos. Lutando na selva hostil de um país estrangeiro os vícios eram tentadores, funcionavam como mecanismos de escape. Álcool, maconha, cocaína e heroína faziam parte do dia-a-dia das tropas. Muitos soldados retornaram aparentemente viciados. Entretanto – atenção – abandonaram o hábito rapidamente quando acolhidos pelas famílias, filhos, amigos, esposas, namoradas. Menos de 15% permaneceram presos à droga e necessitaram de tratamento especial.

Então, Dr. Bruce escreveu seu famoso mote: “o oposto do vício não é a sobriedade, mas a conexão”. Que conexão é essa? Amizade, conexão humana com pessoas, parentes, colegas de trabalho, namorados e namoradas – enfim, conexão com a comunidade. Interagir; sentir-se aceito, útil e querido é o segredo simples dessa conexão terapêutica.

Recentemente o cientista alertou-nos ainda para um dado preocupante: não apenas por conta da pandemia, os humanos passaram a viver em casas cada vez mais cheias de coisas (conexões… eletrônicas, principalmente) enquanto reduziram dramaticamente o contato com pessoas (conexões afetivas, certo?).

Serão novos ratinhos solitários numa linda, moderna, estimulante, porém triste e melancólica gaiola high-tech?

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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