8 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Doidões, mas inspiradores

Pequeno tributo a Humboldt, Whitman e Thoreau.

Foto: Hélvio

O naturalista Alexander von Humboldt subiu montanhas, explorou vulcões, fuçou toda a flora e fauna do mundo, influenciando Darwin e outros cientistas. Apaixonado pela América do Sul, foi por aqui que Humboldt viveu parte de suas aventuras, penando de fome, frio e doenças no meio do mato, aí pelos meados do século XIX. Tinha vinte e poucos anos.

Numa dessas viagens, ele encarou aquela interrogação existencial arrepiante. Extasiado, olhando as árvores, animais, estrelas e sua própria imagem refletida num lago, perguntava-se: “Quem sou eu? O que faço aqui neste planeta?”. Sua suspeita de que tudo fosse interligado – gente, bichos, plantas, terra, céu – insinuada na obra “Cosmos”, mereceu elogios de Allan Poe: “o universo descrito por Humboldt é o mais sublime dos poemas”.
Walt Whitman – o primeiro hippie – também foi tocado pela ousadia do “Cosmos” e pela ideia do “somos todos um”. Isso fica bem claro nas entrelinhas do “Folhas de Relva” e da famosa “Canção de Mim Mesmo”: “eu celebro o eu, num canto de mim mesmo/ e aquilo que sou também deves ser/ pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti”.

As reflexões de Humboldt e Whitman foram fundamentais para outro maluco: Henry Thoreau. Aos 16 anos, entrou em Harvard e formou-se em grego, latim, alemão, matemática, história e filosofia. O rapaz feioso subia em árvores como um esquilo e lá ficava o dia inteiro admirando o sol, sentindo a brisa, observando folhas e insetos. Foi em Harvard que Thoreau escandalizou seus mestres escrevendo numa prova: “o melhor governo é o que não enche o saco e que deixa as pessoas em paz”. O cara já alertava para os riscos de um Estado enxerido, policialesco, gordo e cheio de mamatas como voltou a ser no Brasil.

Desprezando carreira acadêmica, Thoreau refugiou-se numa cabana às margens do lago Walden, próximo a Boston. Ser filósofo “era viver na simplicidade”, dizia. Não dava a mínima para a vida social, dinheiro ou conforto. Usava calças remendadas e sapatos velhos. Sentia-se mais à vontade sozinho do que na presença das visitas, colegas professores. A exceção era a companhia das crianças. Recebia estudantes do vilarejo e para eles fazia mágicas, malabarismos e repetia a impagável história “o duelo de tartarugas na beira do lago”, de sua autoria.

Dizem que ele se comunicava com os bichos de alguma forma. Assoviava, e os animais iam surgindo pela trilha. Lobos espiavam da vegetação rasteira, castores corriam na direção dele, e aves pousavam em seus ombros. Quando se assentava na frente da cabana, camundongos passeavam em seus braços; corvos cercavam-no como passarinhos dóceis, e até serpentes enrodilhavam-se nas suas pernas, sem o picar.

O que esses três tinham em comum? Creio que buscavam a essência da sabedoria e as respostas para os enigmas da natureza, de nossa transitoriedade, da vida e da morte. Pessoas assim nos inspiram enquanto a humanidade ignora a beleza e o êxtase do viver de cada dia e deslumbra-se com o universo virtual, as fantasias das telas digitais, os prodígios da inteligência artificial.

É também o mesmo momento em que crianças, adolescentes e até adultos, hipnotizados pela mídia leviana e por sandices da moda, creem nos delírios de um mundo fictício, sempre e apenas prazeroso, permissivo, livre de obstáculos, onde tudo pode. Por isso, vestem-se de cor-de-rosa, compram pipoca cor-de-rosa e correm ao cinema acreditando que o filme da Barbie lhes dará as lições mais importantes da vida.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *