8 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Carismáticos e impostores

A mentira insiste, imita, trapaceia – mas não prevalece.

Foto: Editoria de arte

Longos tratados já foram escritos sobre essa virtude chamada carisma. Certos privilegiados a têm; vem do berço, tipo um complemento ou um acessório original de fábrica. Outros vão adquirindo-a à medida em que sua personalidade, propostas e comportamentos tornam-se públicos, chegando ao nível máximo da empatia com a declaração “fulano me representa”. De maneira geral, podemos definir “carisma” como uma qualidade pessoal que envolve magnetismo ou capacidade diferenciada de atrair e influenciar os demais com simpatia genuína.

Todos concordam que carisma seja a combinação de charme, confiança, empatia e habilidade de comunicação que faz com que alguém seja naturalmente cativante e, principalmente, persuasivo. Quando o carismático fala, todos se calam, escutam e reconhecem seu brilhantismo. Pessoas carismáticas são, enfim, presenças marcantes, energias contagiantes e de habilidade ímpar que as fazem conectar-se facilmente com outros humanos.

Carismáticos também costumam ser odiados. Diz-se que o pior inimigo do especialista laureado é o amador genial. O sábio acadêmico consagrado retorce-se de inveja quando confrontado com a leveza, a espontaneidade e o carisma de um semelhante que, aparentemente sem esforço algum, faz melhor, resolve diferente, instila genialidade na questão e ganha aplausos.

Na internet você pode encontrar exemplos históricos desses embates, como a rivalidade entre Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri, célebre entrevero que rendeu até filme. No universo da música do século XVIII, Mozart era um gênio de seu tempo e Salieri seu imitador neurótico, obstinado, insistente – porém insignificante. Embora sem maiores confirmações, há suspeitas de que a morte de Mozart aos 35 anos tenha sido causada por envenenamento encomendado pelo seu rival, vingando-se assim do sucesso do jovem compositor. Portanto, cuidado: no passado ou no presente, a inveja é um perigo; pode ser levada a extremos.

Presente na lista dos sete pecados capitais do cristianismo, a inveja muitas vezes é confundida com a cobiça, sua priminha igualmente detestável. Mas, são diferentes: “cobiça” é desejar possuir algo que outra pessoa tem – geralmente coisas, objetos – desde um vestido estampa pele-de-onça mais escandaloso até uma Ferrari 296 GTB vermelha. Já a “inveja” vem de um astral ainda mais baixo dos infernos da mente humana. O invejoso é aquele que range os dentes apenas porque não aceita que outro “tenha”; que seu vizinho, colega ou amigo seja dotado de algum atributo – geralmente elementos sutis como a beleza, a inteligência, a capacidade de comunicar-se, o êxito na vida profissional etc.

Pobre invejoso! O infeliz traz na boca o amargor permanente do ódio causado pela popularidade, conquistas ou qualidades de outrem. Cada fato ou comentário leva-o a comparar-se com o alvo de sua cólera, revolvendo velhas emoções que alimentam seus desesperos íntimos. Por isso o invejoso anda sempre em companhia de outros demônios que lhe cutucam a bunda com tridentes e incitam sentimentos de revolta, inferioridade, raiva, ressentimento e até mesmo hostilidade. E o pior: por mais que queira imitar o carismático – tentativas frequentes – a vulgaridade do invejoso afunda-o ainda mais na própria insignificância.

Carismáticos e invejosos estão presentes em toda parte. Na política, então, tais contrastes são mais dramáticos. Alguns atraem multidões extasiadas com um simples convite; ganham aplausos, elogios, audiências bombásticas nas lives. Já outros, histéricos para fazerem o mesmo, torram fortunas com propinas, consultores de imagem, influenciadores, marqueteiros, jornalistas mercenários, mídia subornada, manobras indecentes e uma legião de puxa-sacos. Mesmo assim são rejeitados, ironizados e desprezados pelo povo. Por quê? Pode ser falta do tão precioso carisma. Mas, em alguns casos, pode ser também porque ninguém os leva a sério. Mentirosos insistem, trapaceiam, fingem – mas não duram.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *