15 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Brasil comunista

Tentando entender as palavras, as pessoas e o país.

Foto: Acir Galvão

Para alegria de certa minguada plateia, o ocupante da Presidência afirmou sentir orgulho ao ser chamado de “comunista”. Logo me veio a dúvida: proferiu o vocábulo no sentido literal ou figurado? Comunista teórico ou praticante?

Na teoria, o tal “comunismo” seria aquele de Marx, o vagabundo alcoólatra que explorava a esposa rica? Que abandonou e deixou morrer quatro filhos bebês – porque se dizia um intelectual dedicado à humanidade –, além de duas filhas moças que se suicidaram? O que traía a esposa com a empregada e que, ao engravidá-la, suplicou ao amigo Engels, solteiro e rico, que assumisse a criança?

Ou seria, na prática, o “comunismo” daquela velha tirania que censura, persegue e mata gente na Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela e arredores? Aquele desastre que explora, engana e massacra o povo enquanto sustenta uma elite de burocratas milionários e corruptos? O odioso sistema de Stálin, o sanguinário? O carrasco da Geórgia era frio, cruel, temido, mas só viajava de trem ou de carro porque morria de medo de avião. Na única vez em que voou, rumo a Ialta, em 1945, o bimotor enfrentou mau tempo. Segundo o historiador aeronáutico Eric Winkle Brown, o ditador borrou-se todo e foi obrigado a trocar as cuecas às pressas antes do encontro com Churchill e Roosevelt.

Mas, para mim, “comunismo” vem do adjetivo “comum”. O Brasil voltou a ficar comuníssimo, como de hábito: violência crescente, traficantes soltos, parlamentares submissos, negociatas com empreiteiras, pedófilos inocentados, acordos indecentes, alianças com facções criminosas, esbanjamento de dinheiro, educação, arte e cultura medíocres, populismo bolorento, prisões ilegais, afrontas à Constituição, justiça militante e “democracia relativizada” – derradeiro prego no caixão desse retorno ao passado ordinário.

O lema do comunismo tropical – “a vida é assim mesmo, não adianta mudar” – transforma cidadãos em rebanhos amedrontados, temerosos de expressar opiniões, trabalhando para sustentar a bandalheira e agradecendo os presentes que o governo bonzinho lhes dá: uma boquinha no serviço público, um carro novo, uma TV maior, um prato variado na mesa, trocados adicionais no fim do mês. O comunismo tupiniquim odeia a independência, a crítica e a realidade; adora a obediência, o puxa-saquismo e a lassidão regada a cerveja e a Carnaval.

Às vezes surge uma raridade, alguém incomum e disposto a fazer diferente. O raro personagem mostra que a vida não precisa ser tão medíocre, injusta e resignada. Enfrenta as pressões, saneia a economia, liquida mamatas, ataca a ladroagem e os privilégios e – o mais importante – desperta a autoestima do povo. Ai, ai, ai! O comunismo sente que mexeram nos seus bibelôs; rosna e reage. Dispara toneladas de mentiras antigas, inventa novas, faz a cabeça dos ingênuos, suborna a mídia e – quando a ameaça é grave – pode até matar o incômodo atrevido.

Porém, o velho e comum comunismo tem seu ponto fraco; algo que o faz tremer, suar e roer as unhas. É quando se depara com o inesperado no dia a dia, no cotidiano real que destrói narrativas. Mesmo acossado por tantas safadezas legalizadas, um adversário do comum sai às ruas e é aplaudido pela multidão; ganha beijos, abraços, fotos e carinhos. Na internet, numa live de uma segunda-feira qualquer, atrai centenas de milhares. Como explicar? O comunismo se retorce de ódio e ciúmes; esconde-se e resmunga, deitado feito criança no colo dos que ainda o mimam. Será mais uma noite de insônia, inveja e solidão, assombrada por fantasmas.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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