18 de outubro de 2024
Walter Navarro

Einstein, Spinoza, eu e Deus


O compositor e cantor belga, Jacques Brel (1929-1978), é conhecido no Brasil apenas pela canção, “Ne me quitte pas” que, há séculos, fez sucesso numa propaganda da C&A. Coitado!
Brel tem mil outras músicas tão boas ou melhores que seu clássico. Três delas entregam sua delicada relação com Deus. Em “Dites, si c’était vrai” (1958), ele pergunta, duvida e confessa que, se fosse verdade, toda esta história de Jesus, Maria, José, manjedoura e Reis Magos, ele diria sim, porque as histórias de “Mateus e daqueles outros dois” são tão belas que a gente até acredita que sejam verdadeiras.
Em “La Statue” (1961), Brel confessa também que só reza para Deus quando tem dor de dentes ou medo do diabo”. Já na terceira, mais explícita, lírica, lúdica e filosófica, “Le Bon Dieu” (1977), ele ensina o que o Homem não sabe: “Se você fosse o bom Deus, você faria os velhos dançarem nas estrelas. Você faria bailes para os mendigos e não economizaria céu azul. Mas, você não é Deus, você é muito melhor, você é um Homem!”.
Numa entrevista, ele reforça a ideia do Homem/Deus:  “Acredito que Deus são os homens e um dia eles saberão disso”.
Gosto muito de Jacques Brel. Os versos acima me visitaram, assim que reli interessante texto sobre Albert Einstein (1879-1955), Baruch Spinoza (1632-1677) e Deus(?).
Baruc, sem h, é um dos profetas de Aleijadinho…
Quando perguntaram a Einstein, se ele acreditava em Deus, o físico linguarudo respondeu:
– Acredito no Deus de Spinoza que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa em premiar ou castigar os homens.
E quem era o Deus do filósofo holandês Spinoza?
Ele está no texto “Deus segundo Spinoza” ou “Deus Falando com você”.
“Para de ficar rezando e batendo no peito. O que eu quero que faças é que saias pelo mundo, desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que eu fiz para ti. Para de ir a estes templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nas praias. Aí é onde eu vivo e expresso o meu amor por ti. Para de me culpar pela tua vida miserável; eu nunca te disse que eras um pecador. Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.
Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos, nos olhos de teu filho, não me encontrarás em nenhum livro. Para de ter tanto medo de mim, eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem me incomodo, nem te castigo.
Eu sou puro Amor. Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz; te enchi de paixões, limitações, prazeres, sentimentos, necessidades, incoerências, livre-arbítrio.
Como posso te castigar por seres como és, se sou eu quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos os meus filhos que não se comportam bem pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso? Esquece qualquer tipo de mandamento, são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita o teu próximo e não faças aos outros o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida; que teu estado de alerta seja o teu guia. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Para de crer em mim!
Crer é supor, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho de mar.
Para de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que eu seja? Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo.
Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar. Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
Não me procures fora! Não me acharás. Procuras-me dentro… Aí é que estou, dentro de ti”.
Forte, bonito e muito perigoso para a época de Spinoza. Perigoso até hoje, pois revolucionário. Um texto desses, se difundido, estudado, ensinado, absorvido, captado; acaba com todas as religiões. Derrete igrejas, mesquitas, sinagogas, etc.
Sempre a Holanda na frente do mundo, em tudo! Nas drogas, sexo, rock´n´roll, eutanásia e Deus! Não à toa, os Países Baixos compreendem a Holanda e a Bélgica de Brel. Brel que, em outra canção, chama sua Bélgica de “Le Plat Pays”, país plano… Baixo. Baixo, mas com a “atitude mental dos altos píncaros”, como escreveu Vinicius de Moraes sobre algumas mulheres “baixinhas”.
Para Otto Lara Resende, Deus é humorista.
Para Chico Buarque, é um gozador.
Para Nietsche, é carta fora do baralho, rei morto e posto.
Concordo com todos os citados. Sempre concordo com todo mundo, mas minto muito. Mesmo porque, tem duas maneiras de fazer uma coisa: a minha e a certa e as duas são a mesma coisa.
PS: Finalmente, não deixa de ser agradável, saber que Deus é “brother”. E já que ele dispensa o perdão, meu quinhão, um quilo, posso vender.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *