29 de março de 2024
Colunistas Mary Zaidan

A estrela da hora

Ao passar longe das presepadas dos últimos dias, Simone Tebet reforça suas credenciais.

Não foram poucos os que enterraram a terceira via após os movimentos erráticos dos pré-candidatos João Doria e Sérgio Moro. Teve funeral, com gente se divertindo diante das trapalhadas no chamado centro democrático. A questão é que não há como sepultar o que não nasceu. E é fato: inexiste hoje uma alternativa viável à polarização Jair Bolsonaro versus Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo menos até aqui. Pode acontecer? Sim. Mas o tempo corre.

Esse segmento, que em tese teria uma avalanche de apoios daqueles que rejeitam Bolsonaro e Lula, foi incapaz de formatar conteúdo para se impor diante dos dois pólos. Em vez de propostas para as questões aflitivas do país – inflação, desemprego, miséria e fome, saúde e educação precárias, danos ambientais quase irreversíveis, retrocessos civilizatórios, entre outras -, único caminho para enfrentar populistas, o que se vê são pré-candidatos irredutíveis, que falam em união mas não despregam os olhos do próprio umbigo.

A barafunda dos últimos dias é a mais límpida tradução disso.

Do PSDB partiram os primeiros faniquitos. O agora ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, derrotado por João Doria nas prévias tucanas, ameaçou deixar o partido e disputar a Presidência pelo PSD de Gilberto Kassab. Convencido pela ala anti-Doria, encabeçada pelo deputado Aécio Neves (MG) e pelo senador Tasso Jereissati (CE), Leite ficou no PSDB para correr por fora. Ou seja, passar a perna em Doria com o apoio de parcela da legenda.

Doria acusou o golpe. Ameaçou romper o acordo que firmara com o seu vice, Rodrigo Garcia, que ele trouxe do então DEM para o PSDB, continuar à frente do governo de São Paulo e desistir da candidatura ao Planalto. A jogada deu a ele o apoio formal do partido ao seu nome, expresso em carta do presidente da legenda, Bruno Araújo, que se apressou em dizer que o documento pró-Doria que assinou não tem qualquer valia.

Além de problemas adicionais para a sua dificílima campanha, Doria abriu feridas quase incicatrizáveis que podem tirar de vez o PSDB do trono paulista, onde reina há 28 anos. Sua opção por Garcia, o mesmo que ele agora quase deixou na mão, afastou Geraldo Alckmin da disputa pelo governo de São Paulo quando o ex liderava todas as pesquisas. Para alegria de Lula, que, com Alckmin encantado em ser seu vice e fora do páreo paulista, vê chances de emplacar o PT, pela primeira vez, no Bandeirantes.

Moro, o terceiro colocado nas pesquisas, pontuando entre 6% e 8%, escancarou sua imaturidade política. Abandonou o Podemos, ao qual se filiara há quatro meses para ser candidato, e migrou para o União Brasil. O acordo com a nova sigla previa o abandono da pré-candidatura à Presidência e uma vaga para disputar a Câmara dos Deputados. Em cima da hora, Moro deu um cavalo de pau negando o acerto selado no dia anterior. Gerou um pedido de impugnação de sua filiação ao União Brasil, endossado pela turma do DEM, sob a liderança do ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, que, se aprovado, pode deixar o ex-juiz e ex-ministro na condição de ex-candidato – sem legenda e, portanto, impedido de disputar qualquer cargo nas eleições de 2022.

Leite e Moro utilizaram táticas semelhantes. Imaginam que mais à frente podem ser ungidos candidatos pela necessidade de o centro ter um nome consensual. Moro apoia-se na condição de melhor pontuado nas pesquisas. Leite, na capacidade aglutinadora que se autoinvoca. Doria, um gestor de reconhecida competência mas com alta rejeição até no estado que governa, se agarra na legalidade das prévias.

Na prática, os três passam ao eleitor um recado torto, avesso à boa política que o centro democrático gostaria de ter como marca. Usam a traição como método, desunem em nome da união.

No meio desse imbróglio, há quem garanta que Bolsonaro lucra com a saída de Moro – sua turma até comemorou. Na outra ponta, o PT crê que a ausência de candidatos ao centro pode acelerar a decisão desse campo em torno de Lula. Na intermediária, dobram-se as apostas em Simone Tebet, que reforçou suas credenciais ao passar longe das presepadas da semana. Enxerga-se nela a melhor chance de a antipolarização encorpar.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/4/2022.

Mary Zaidan

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.

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