Juntos, o STF e o Poder Executivo governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou de oposição capaz de impedir qualquer dos seus movimentos.
O Brasil, dia após dia, está se transformando num país soviético. Com o consórcio formado pelo Supremo Tribunal Federal e as facções que dão suporte ao presidente da República, o Brasil, cada vez mais, só tem governo — não tem população. Como na Rússia comunista, e em todos os regimes que surgiram à sua semelhança, de Cuba à China, o país está a caminho de ficar sem instituições; elas não foram eliminadas oficialmente, mas cada vez valem menos. Os cargos públicos que têm influência real na máquina do Estado vão sendo ocupados, a cada escolha, por aliados que o consórcio impõe. Na prática, há um regime de partido único, a sociedade Lula-STF — os outros partidos fazem alguns ruídos, mas não conseguem controlar nem uma CPI que eles mesmos propõem, e podem ser multados em R$ 22 milhões se apresentarem uma petição à Justiça suprema. Há um Congresso Nacional; na Rússia soviética também havia. Mas as leis aprovadas pelos deputados são simplesmente anuladas pelo STF, na hora em que ele quer, e seja o assunto que for. É o que está acontecendo com a lei sobre terras indígenas, aprovada na Câmara por 283 votos a 155, mas a caminho de ser declarada nula pelos ministros — como a Lei nº 14.950, sobre o mesmo assunto. A maior parte da imprensa se dedica à adoração de Lula, do seu governo e do ministro Alexandre de Moraes. Funciona, na vida real, como um grande Pravda, escrito e falado em português — e muitas vezes em mau português.
Ainda falta um bom caminho para chegar lá, e a República Soviética do Brasil, pelo menos por enquanto, está se limitando a eliminar a liberdade política. (Na Rússia comunista, por exemplo, não havia, nem há, Parada Gay; também era preciso passaporte interno para ir de uma cidade à outra, e a lista telefônica de Moscou era segredo de Estado, entre outras curiosidades que só o comunismo foi capaz de criar.) Mas é exatamente para lá, um regime totalitário mais ao estilo do século 21 e fabricado basicamente com peças de produção nacional, que o país está indo. Faça uma pergunta simples: quem vai impedir, se são o STF e o Sistema “L” que escrevem as leis e decidem o que é legal e o que é ilegal? Não vão ser, com certeza, as Forças Armadas, que de cinco em cinco minutos declaram-se a favor da “legalidade”, ou seja, do que o consórcio STF-Lula diz que é a legalidade. De mais a mais, os comandantes militares estão a favor desse partido único que hoje governa o país; entregaram para a polícia, trancados em ônibus, os cidadãos que protestavam contra o resultado das eleições, em manifestação legítima, em frente ao QG do Exército em Brasília. Não será o Judiciário, que é apenas uma grande repartição pública comandada pelo STF. Não será, obviamente, o Congresso, que não existe mais como força política efetiva. Não serão os 150 milhões de brasileiros que estão ocupados o dia inteiro com a sua sobrevivência física, e não têm tempo para tratar de política. Em suma: não é ninguém.
Em que país sério do mundo, esses mesmos onde Lula faz “política externa” turística se hospedando em hotéis com diária de quase R$ 40 mil, o presidente, rei ou primeiro-ministro nomeia seu advogado pessoal para a Suprema Corte? Nem Stalin fez isso.
A união soviética brasileira não é um “copiar e colar” da antiga URSS; embora leve mais ou menos aos mesmos resultados, em termos de criar uma ditadura efetiva na vida pública, é basicamente coisa de construção tupiniquim, sem maiores filosofias políticas como o original em alemão. Não houve nenhuma revolução, nem a tomada do Palácio de Inverno ou a descida de Sierra Maestra. Sua chave é o acordo de acionistas entre o STF e o Poder Executivo, tal como ele é encarnado por Lula — juntos, governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou de oposição capaz de impedir qualquer dos seus movimentos. Os ministros, para ficar só no mais grosso, eliminaram as leis brasileiras para tirar Lula da cadeia, onde cumpria pena pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e para anular todos os processos penais contra ele, de modo a possibilitar a sua candidatura à Presidência da República. Em seguida, através do TSE, comandaram a campanha mais escura, contestada e parcial da história eleitoral brasileira, com um sistema de urnas eletrônicas que não é utilizado em nenhuma democracia do planeta; contaram os votos e declararam que Lula tinha ganhado. Em troca, o Sistema “L” aceita tudo o que o Supremo quer que se faça, em qualquer área ou ocasião. Juntos, escolhem os novos integrantes do TSE, que passa a ser 100% controlado pelo consórcio, e combinam quem será o novo procurador-geral da República, o que elimina o Ministério Público como força independente na vida pública brasileira, conforme estabelecido na Constituição. São decisões tomadas em churrascos hermeticamente fechados e isolados do resto do mundo em Brasília, com a proibição da entrada de celulares no recinto. Que diabos de “instituições” resultam de um negócio desses?
Na verdade, as instituições e os deveres obrigatórios de uma república ou das verdadeiras democracias estão sendo eliminados, um depois do outro, pelas decisões tecnicamente legais do consórcio STF-Lula. O presidente, em meio à indiferença da população e à anestesia moral que marca o Brasil de hoje, nomeia o seu advogado pessoal para a vaga existente no STF — o seu advogado pessoal, nada menos que isso. A mídia, o mundo político e as classes intelectuais fingem que a nomeação é uma coisa normal, ou quase normal. Não chama a atenção de ninguém um fato muito simples: é impossível, no mundo das realidades, que o novo ministro tome qualquer decisão minimamente contrária aos interesses do presidente da República — ou alguém acredita, honestamente, que ele possa ser imparcial nas suas sentenças, como é exigência elementar de qualquer democracia decente? Em que país sério do mundo, esses mesmos onde Lula faz “política externa” turística se hospedando em hotéis com diária de quase R$ 40 mil, o presidente, rei ou primeiro-ministro nomeia seu advogado pessoal para a Suprema Corte? Nem Stalin fez isso; é verdade que ele não tinha advogado, e nunca precisou de um, mas o fato é que não fez. Lula, na verdade, governa sem nenhum freio — pois um dos freios, o Judiciário, é seu sócio no partido único, e o outro, que seria o Legislativo, não é capaz de frear nada, mesmo porque, quando tenta frear alguma coisa, o STF vem e diz que não vale. O resultado prático é que Lula compra sofás de R$ 65 mil para a decoração de sua residência — com dinheiro do pagador de impostos, é claro. Compra um novo Airbus para o seu transporte pessoal. Recebe em Brasília um ditador que tem a cabeça a prêmio por US$ 15 milhões, por tráfico internacional de drogas. Faz o que quer, e o que o STF deixa.
Há eleições no Brasil, mas também há o TSE — e enquanto houver o TSE as eleições não valem nada, ou só valem o que a “Justiça Eleitoral” diz que valem. O TSE, hoje, é uma polícia política integralmente a serviço do governo. É uma aberração que consegue gastar R$ 10 bilhões por ano, mesmo nos anos em que não há eleição nenhuma, e não tem similar em nenhuma democracia séria do mundo — a começar pelo fato de que se dá o direito de cassar mandatos de deputados federais ou de quem lhe der na telha. Acaba de acontecer. Cassaram o mandato do deputado Deltan Dallagnol, por vingança pessoal de Lula, sem o mais remoto vestígio de legalidade; foi uma decisão de AI-5, com umas fumaças de procedimento jurídico que não enganariam uma criança com dez anos de idade. O resultado é que o consórcio anulou a decisão legítima dos eleitores do Paraná; pior ainda, nomeou de forma grosseira o novo ocupante da vaga que foi aberta pela cassação, colocando no lugar de Dallagnol, que teve 350 mil votos, um outro que teve 12 mil. Que tal, como limpeza, ou mera lógica, do sistema eleitoral? Preparam-se, agora, para cassar os direitos políticos de Jair Bolsonaro, única e exclusivamente porque identificam nele um possível candidato que se opõe com chances de sucesso ao partido único STF-Lula. É uma medida preventiva, ou de back-up antecipado — estão agindo como se as próximas eleições presidenciais pudessem ser diferentes das de 2022, do ponto de vista operacional do TSE. De novo, como no caso do deputado Dallagnol, a proibição para Bolsonaro disputar eleições, ou ter qualquer participação na política brasileira, é 100% ilegal. A desculpa é que ele manifestou dúvidas sobre a perfeição do atual sistema de urnas eletrônicas, só adotado, além do Brasil, em dois países, Butão e Bangladesh. Poderia ser qualquer outra coisa: genocídio, assassinato de índios, quilombolas e gays, defesa da cloroquina. Como é possível, com um mínimo de racionalidade, tornar alguém inelegível porque ele disse que tinha dúvidas sobre um sistema de votação obviamente sujeito a todo tipo de dúvida? Antes disso, por um despacho do ministro Alexandre de Moraes, o STF cassou sem nenhuma formalidade legal o mandato do governador de Brasília. Depois devolveu, por outro despacho do mesmo Alexandre de Moraes — mas o governador, hoje, é capaz de jurar que o triângulo tem quatro lados, se os ministros assim quiserem.
Com o Congresso é o mesmo tipo de calamidade. O que adianta pagar R$ 14 bilhões por ano para manter um Congresso cujas leis podem ser anuladas a qualquer momento, e sem razão nenhuma, pelo Supremo? Não é só o marco temporal. Já foi a mesma coisa com a anulação da lei que determinava o cumprimento da pena em prisão fechada para réus condenados em segunda instância, o que tirou Lula do xadrez da Polícia Federal onde ficou trancado durante 20 meses. Promete ser assim, daqui a pouco, com a lei, perfeitamente aprovada pelo Congresso, que tornou voluntário o pagamento do imposto sindical — o efeito imediato dessa lei, obviamente, foi que nenhum trabalhador brasileiro quis pagar mais. O que poderia representar com mais perfeição a vontade do povo? Mas Lula quer que o imposto volte a ser obrigatório, e o STF se prepara para atender a exigência. O ministro que foi encarregado de resolver o problema argumenta que hoje os “tempos são outros” — um raciocínio realmente espantoso, levando-se em conta que os tempos estão em mudança perpétua e, por via de consequência, nenhuma lei aprovada no passado é válida no presente. Fazer o quê? Esse Congresso Nacional que está aí não é capaz sequer de proteger os mandatos dos seus próprios deputados; não é capaz de nada. A “Mesa” da Câmara dos Deputados concordou oficialmente com a cassação de Dallagnol. Já havia concordado, não faz muito tempo, com a prisão por nove meses do deputado Daniel Silveira, também por ordem do ministro Moraes. É diretamente contra a lei. A Constituição diz que um deputado federal só pode ser preso em flagrante, e pela prática de crime inafiançável; Daniel Silveira não foi preso em flagrante nem cometeu nenhum crime inafiançável. E daí? Foi preso do mesmo jeito. Aliás, está preso de novo hoje, desta vez por não usar a tornozeleira eletrônica que o ministro lhe impôs, apesar de ter recebido um indulto absolutamente legal do ex-presidente Bolsonaro; o STF, como nas leis aprovadas pelo Congresso, decidiu que o indulto não vale. Esperar o que, se o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, está disposto a assinar a cassação do seu próprio mandato, se receber ordem do STF? Não há nada a esperar.
A República Soviética do Brasil não acabou com a propriedade privada — e nem parece a ponto de acabar, quando se considera a ilimitada quantidade de propriedades estritamente privadas que os membros do consórcio têm. Também não tornou legal, pelo menos até agora, a coletivização da terra — apesar da paixão de Lula pelo movimento semiterrorista que invade propriedades rurais, destrói bens e pratica violência armada, sem que um único de seus agentes seja jamais incomodado pelo sistema judicial. Mas já organiza e hospeda, em Brasília, reuniões do seu próprio Comintern, a que hoje se dá o nome de “Foro de São Paulo” e que cobra inscrições em dólar. Está montando uma máquina estatal de estilo soviético, que só serve ao partido e está mais distante do povo brasileiro do que a Terra da Lua. O Ministério da Justiça, logo esse, já é comandado por um comunista de carne e osso; ele mesmo, aliás, já disse que é comunista “graças a Deus”. É para aí que vai a procissão.
Fonte: Revista Oeste
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.