12 de maio de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Eu imagino o Tempo como um senhor distinto, muito parecido com Leonard Cohen

Foto: Lorca Cohen

Eu tive o meu primeiro contato com o sr. Tempo, esse idoso bonito, ainda menino. Tinha ido com meu tio encomendar óculos de grau para mim, após ter finalmente descoberto que todas as minhas leituras me tornaram míope com 5,75 graus. A atendente disse algo como: lá pelos 30 anos seu grau vai estabilizar. Eu ri e disse que ia demorar. Ela redarguiu dizendo que isso era o que eu pensava: ia passar rápido, muito rápido.

Foi aí que eu o vi, defronte à vitrine, ao lado de fora, olhando para mim, seus olhos bondosos e implacáveis, ao mesmo tempo. Eu não tive medo porque não o reconheci: para mim era apenas um senhor bem vestido, com terno, chapéu e um guarda chuva azul, casualmente passando por ali.

Eu tornei a vê-lo, posteriormente, por muitas vezes: no meu primeiro emprego. No primeiro beijo. Quando saí de casa. Quando me formei. Na fila do banco. No flerte da esquina. Ele estava presente em todos os acontecimentos da minha vida, todos, e, sabem do melhor?, eu envelhecia a cada encontro e ele parecia sempre o mesmo, um sósia de Leonard Cohen, de terno e chapéu, parecendo prestes a cantar “Tower of Song” para mim.

Eu entrava e saía das vielas escuras da minha vida, eu caía e me erguia para voltar a cair e reerguer-me, e o Velho sr. Tempo estava lá, gravando uma e outra linha em meu rosto, levando a cor embora dos meus cabelos, tirando o orgulho dos meus músculos, e, paradoxalmente, me tornando mais forte. Sim, ele sabia tomar e sabia dar, esse pequeno e bondoso canalha, ele tem poder para tanto.

Hoje ele se tornou quase um amigo – quase -, esse senhor distinto, tão parecido com Leonard Cohen que suspeito que são a mesma pessoa, e ele se dedica a cantar seus blues estilizados por aí, nas horas vagas em que não está a me encontrar, ocupado em esculpir mais uma linha em minha fronte.

Talvez todos nós tenhamos um sr. Tempo particular.

O meu é assim, Leonard Cohen, que, uma vez a cada ano, escreve mais uma estrofe de “Tower of Song” para mim – e em mim.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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