13 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

No reino encantado

Roteiro imaginário de casal em férias.

Foto: Hélvio

(Suíte de hotel de alto luxo em país estrangeiro. Mulher de meia-idade com maquiagem exagerada e roupas espalhafatosas entra e despeja sobre a cama dezenas de sacolas.)

– Amooooor!

(Resposta abafada, ao longe.)

– Oi, querida…

– Tá onde, fofura? Gente, mas que quarto i-men-so! Uau! Cadê você, meu docinho barrigudo?

(Nova resposta abafada ao longe)

– No banheiro, espera aí… Aproveitou o passeio?

– Olha quanta lembrança eu comprei!

(Som de descarga de vaso sanitário. Homem idoso entra em cena ajeitando as calças)

– Puxa, gastou mesmo, sua doidinha…

– O Dia das Mães tá chegando! Tem mil coisas pra ela, pro papai, os sobrinhos, meu personal, a turma da academia, a cartomante, a vidente, a manicure, as moças do salão… Essas lojas daqui são demais! Que luxo! Tem cada negócio! Agora, fecha os olhos, amor…

– Os dois? …

– Surpresa! Olha essa imitação de coroa de rei! Comprei pra você! Bota na cabeça, vai!

(Mulher fala, sensual.)

– Nossa! Ficou igualzinho a um rei! Ai! Morro de tesão com homem poderoso!

– Agora não, querida; agora não. Usou aqueles cartões que eu lhe dei, né?

– Claro, o dourado, o prateado, o de platina e aqueles da nossa secretária.

E tudo à vista, nem precisava dividir! Fui comprando; os moços da segurança carregando as sacolas e eu na frente, mandando! Cada homem lindo, forte, de terno e falando inglês nos microfones… Amei! Mas não precisa ficar com ciúme, viu, bobinho?

(Som de beijocas.)

– Coisa boa é viajar assim, sem preocupação com nada, né? E hoje, aonde você vai?

– Tem aquelas reuniões, já lhe disse. A gente precisa fingir que está fazendo alguma coisa, né?

– Ah, que saco! Eu tô doidinha pra conhecer o museu de cera e postar uma selfie ao lado do Fidel. E da Frida Kahlo, da Anitta, da Diana…

– Pede pro motorista.

– Amooorrrr…

– Diga, querida.

(Sussurros; grunhidos, ruído de vestido sendo amarfalhado.)

– Me dá mais um abraço, sua teteia tá com saudades, viu? Chega mais pertinho, vem… Queria te pedir um troço…

– Pode pedir, delícia…

(Mulher leva dedo mínimo à boca. Balança a cabeça infantilmente, fingindo timidez.)

– Dá pra fazer uma estátua de cera minha lá pro museu também? Já sou celebridade, né? Ah, fala que dá, fala, fala!

– Hummm… Vou conversar com os diretores…

– Ah, seu poderoso!!

(Ruído de mais beijocas.)

– Amoreco! Sabia que os carros daqui andam todos na contramão? E que os volantes dos carros são do lado direito? Por isso é que falam que o país é direitista?

(Súbito, mulher volta o olhar para a janela, escuta algo e ordena.)

– Alexa, open cortinas!

(Alexa responde.)

– Sorry, but I cannot understand…

(Mulher chega à janela e abre as cortinas com violência. Apoia as mãos na cintura, desafiadora, olha para fora.)

– Olha aquele bando de gente chata de novo na porta do hotel, gritando, carregando faixa! Chama a polícia, meu bem! Chama! Ah, é? Eles vão ver comigo!

(Janelas se abrem. Vento frio agita as cortinas. Vaias e apupos vindos de fora invadem o ambiente. Mulher exibe dedo médio em direção à rua.)

– Seus babacas! Morram de inveja! Aqui pra vocês, ó! Aqui, ó!

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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