Roteiro imaginário de casal em férias.
(Suíte de hotel de alto luxo em país estrangeiro. Mulher de meia-idade com maquiagem exagerada e roupas espalhafatosas entra e despeja sobre a cama dezenas de sacolas.)
– Amooooor!
(Resposta abafada, ao longe.)
– Oi, querida…
– Tá onde, fofura? Gente, mas que quarto i-men-so! Uau! Cadê você, meu docinho barrigudo?
(Nova resposta abafada ao longe)
– No banheiro, espera aí… Aproveitou o passeio?
– Olha quanta lembrança eu comprei!
(Som de descarga de vaso sanitário. Homem idoso entra em cena ajeitando as calças)
– Puxa, gastou mesmo, sua doidinha…
– O Dia das Mães tá chegando! Tem mil coisas pra ela, pro papai, os sobrinhos, meu personal, a turma da academia, a cartomante, a vidente, a manicure, as moças do salão… Essas lojas daqui são demais! Que luxo! Tem cada negócio! Agora, fecha os olhos, amor…
– Os dois? …
– Surpresa! Olha essa imitação de coroa de rei! Comprei pra você! Bota na cabeça, vai!
(Mulher fala, sensual.)
– Nossa! Ficou igualzinho a um rei! Ai! Morro de tesão com homem poderoso!
– Agora não, querida; agora não. Usou aqueles cartões que eu lhe dei, né?
– Claro, o dourado, o prateado, o de platina e aqueles da nossa secretária.
E tudo à vista, nem precisava dividir! Fui comprando; os moços da segurança carregando as sacolas e eu na frente, mandando! Cada homem lindo, forte, de terno e falando inglês nos microfones… Amei! Mas não precisa ficar com ciúme, viu, bobinho?
(Som de beijocas.)
– Coisa boa é viajar assim, sem preocupação com nada, né? E hoje, aonde você vai?
– Tem aquelas reuniões, já lhe disse. A gente precisa fingir que está fazendo alguma coisa, né?
– Ah, que saco! Eu tô doidinha pra conhecer o museu de cera e postar uma selfie ao lado do Fidel. E da Frida Kahlo, da Anitta, da Diana…
– Pede pro motorista.
– Amooorrrr…
– Diga, querida.
(Sussurros; grunhidos, ruído de vestido sendo amarfalhado.)
– Me dá mais um abraço, sua teteia tá com saudades, viu? Chega mais pertinho, vem… Queria te pedir um troço…
– Pode pedir, delícia…
(Mulher leva dedo mínimo à boca. Balança a cabeça infantilmente, fingindo timidez.)
– Dá pra fazer uma estátua de cera minha lá pro museu também? Já sou celebridade, né? Ah, fala que dá, fala, fala!
– Hummm… Vou conversar com os diretores…
– Ah, seu poderoso!!
(Ruído de mais beijocas.)
– Amoreco! Sabia que os carros daqui andam todos na contramão? E que os volantes dos carros são do lado direito? Por isso é que falam que o país é direitista?
(Súbito, mulher volta o olhar para a janela, escuta algo e ordena.)
– Alexa, open cortinas!
(Alexa responde.)
– Sorry, but I cannot understand…
(Mulher chega à janela e abre as cortinas com violência. Apoia as mãos na cintura, desafiadora, olha para fora.)
– Olha aquele bando de gente chata de novo na porta do hotel, gritando, carregando faixa! Chama a polícia, meu bem! Chama! Ah, é? Eles vão ver comigo!
(Janelas se abrem. Vento frio agita as cortinas. Vaias e apupos vindos de fora invadem o ambiente. Mulher exibe dedo médio em direção à rua.)
– Seus babacas! Morram de inveja! Aqui pra vocês, ó! Aqui, ó!
Fonte: O Tempo
Escritor e colunista de O TEMPO