Eu ouço Beatles como uma espécie de medida profilática: um tipo de homeopatia, sei lá, contra todas as forças das criaturas que habitam os pântanos morais.
E hoje me prescrevi Beatles, me automediquei com elevadas doses de “Blackbird”: o original que foi gravado no chamado “Álbum Branco”, a versão mais recente de Paul em estúdio, covers diversos… pouco importa.
“Blackbird” é uma canção magnífica, sob qualquer aspecto que se a analise: a influência da música erudita de Bach na introdução, a letra, singela tanto em sua interpretação metafórica quanto literal, o arranjo folk e minimalista, a melodia belíssima…
E me faz pensar:
A estrada que foi construída com afinco e paciência, engenho e dedicação, ao longo de tantos anos, e que (e)levou a cultura popular ocidental a produzir um fenômeno de tão inequívoca genialidade, beleza e qualidade como os Beatles, foi abandonada. Tomada por ervas daninhas. Esburacada. Tornada inacessível. Tirada de todos os mapas, ignorada pelos GPS’s.
Mas minha dor é perceber, como na canção antiga de Belchior, ele próprio um usuário de Beatles, é que nada disso, essa erosão, essa destruição da cultura popular ocidental, me parece algo meramente casual, mas sim um trabalho minuciosamente arquitetado e meticulosamente posto em prática com esmero:
Por aqueles que desejam que se evanesça a memória de um tempo em que as pessoas ouviam e cantavam canções como “Blackbird”.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.