As voltas que o mundo dá
Um feito notável: em pouco mais de 24 horas, Kamala Harris, ex-procuradora-geral da Califórnia, vice-presidente dos Estados Unidos, uniu o Partido Democrata em torno do seu nome à sucessão do presidente Joe Biden. Salvo o imprevisto que nunca deve ser descartado, enfrentará o republicano Donald Trump nas eleições de novembro próximo.
Não foi um feito pessoal de Kamala. O Partido Democrata mexeu-se em grande velocidade para convencer Biden a desistir de sua candidatura, minada por lapsos de memória e a saúde frágil, e encontrar quem pudesse substitui-lo. Kamala seria a escolha natural, mas não a única. Havia o perigo de o partido dividir-se com o aparecimento de outros candidatos.
Ainda não é certo que a convenção de agosto servirá apenas para consagrar Kamala. Mas, levantamento da Associated Press, com base em entrevistas individuais e declarações públicas, indica que ela já conta com o voto da maioria dos delegados. São necessários 1.976 votos para nomeá-la candidata. Às 22h50 de ontem, Kamala alcançou 2.471 votos.
Nenhum líder de peso do Partido Democrata, até aqui, opôs-se à candidatura de Kamala. Alguns guardam silêncio. É o caso do ex-presidente Barack Obama, o único preto a governar os Estados Unidos. Isso está longe de significar, porém, que Obama faz restrições a Kamala. Ele é assim: quer sempre dar a última palavra em assuntos transcendentais para seu partido.
Outro sinal de que a candidatura de Kamala está praticamente consolidada foi o volume de doações em dinheiro para sua campanha – um recorde. Em um só dia, de milionários e de eleitores comuns, Kamala arrecadou mais de 80 milhões de dólares (440 milhões de reais). Os 23 governadores de Estados democratas fecharam com a candidatura dela.
Com variações, a pergunta-chave que derrubou a candidatura de Biden (“Esse homem já não está muito velho para governar os Estados Unidos?”) volta-se agora contra Trump. Biden tem 81 anos de idade. Se reeleito, tomaria posse com 82 anos e terminaria seu mandato com 86 – a pessoa mais velha pela segunda vez a assumir a presidência dos Estados Unidos.
Trump tem 78 anos de idade. Com a retirada de Biden, é seu o título de a pessoa mais velha a concorrer à Casa Branca. Se eleito, governará até os 82. Embora se diga em plena forma física, está acima do peso, esquece coisas com facilidade e se expressa às vezes de maneira confusa. Há muitas questões em aberto sobre sua saúde após o atentado que quase o matou.
O que escreveu, em artigo, Sanjay Gupta, colunista da rede de televisão CNN, é o que pensam muitos americanos:
“É necessária uma avaliação pública completa dos ferimentos de Trump, tanto para a saúde dele como para a clareza que pode proporcionar aos eleitores sobre a recuperação do homem que poderá voltar a ser presidente dos Estados Unidos. A preocupação é que tiros perto da cabeça possam causar lesões que não são imediatamente perceptíveis, como sangramento no cérebro, danos ao ouvido interno ou até trauma psicológico.”
Trump perdeu seu maior trunfo de campanha – a idade avançada de Biden. Kamala, 59 anos de idade, ganhou mais um. Essa tem tudo para ser uma eleição eletrizante.
Fonte: Blog do Noblat
Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.
