Lula tem a chance de optar entre a popularidade imediata ou a concertação de que o país precisa
Com 32.801 domicílios e cerca de 130 mil habitantes, o Sol Nascente, no Distrito Federal, é a maior favela do país, de acordo com o IBGE-2022. Desbancou a Rocinha e o Rio das Pedras, no Rio de Janeiro; está à frente de Beiru (Tancredo Neves), em Salvador, e da paulistana Heliópolis. No entorno da rica Brasília, centro do poder, existem outras 35 favelas com sub-habitações, sem água tratada e coleta de esgoto. A maioria delas resultante da irresponsabilidade de Joaquim Roriz, conhecido como “o governador que dá casa”, que, a partir dos anos 1990, distribuiu lotes a rodo para se eleger e reeleger.
Esse é apenas um exemplo das nefastas consequências do populismo, tão usual entre nós.
Excluindo as ditaduras como a Venezuela, países democráticos também sucumbiram nas mãos de populistas. A Argentina, hoje com mais de 100% de inflação, decai desde Juan Domingo Perón. México e Peru vão na mesma toada.
Por aqui, pagamos até hoje as contas de Getúlio Vargas, “o pai dos pobres” e de Juscelino Kubitschek, construtor de Brasília e de estradas, importador da indústria automobilística que fez o esplendor da classe média à custa de um endividamento eterno, multiplicado nas duas décadas de ditadura militar. E as de Jânio Quadros, que varreria a corrupção.
No ensaio da redemocratização, o presidente José Sarney convocou o povo para o exército dos “fiscais do Sarney” a fim de punir a remarcação de preços em supermercados e sufocar a hiperinflação. Populismo barato que só aumentou os lucros do overnight. Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo voto direto pós-regime militar, foi o popular “caçador de marajás” que caçou a poupança nacional.
O respiro sem populistas durou de Itamar Franco a Fernando Henrique Cardoso, período em que a economia brasileira, via Real, ficou em pé. Estabilidade que Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu manter antes de se ver enrolado no mensalão e se render ao populismo deslavado para alavancar sua popularidade.
Nessa época, o boom das commodities dava fôlego a Lula, que prometia uma revolução na Educação com dinheiro do recém-descoberto pré-sal e obras pelo país afora conduzidas por sua pupila Dilma Rousseff, apelidada por ele como mãe do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Em 2010, ano em que Lula lançou Dilma candidata à sua sucessão, o próprio comitê gestor do PAC revelou que dos 12.163 empreendimentos 54% não saíram do papel e apenas 1.378 foram concluídos depois de três anos de implantação. De acordo com a ONG Contas Abertas, só 11,3% das obras terminaram.
Eleita e reeleita, Dilma, que jamais fora popular, fez de tudo para atrair o povo. Para reduzir as contas de luz na marra, propôs uma “nova matriz energética”, provocando endividamento futuro mesmo sem acender uma vela. Até hoje, os brasileiros pagam por essa invencionice populista.
Jair Bolsonaro fez pior. Para ser dono de uma marca forte que pudesse fazer frente ao Bolsa Família de Lula, criou o Auxílio Brasil sem qualquer critério de cadastramento e de contrapartida. Gastou os tubos sem a garantia de que o dinheiro estava chegando em quem verdadeiramente precisava dele. Forçou a queda do preço de combustíveis para paparicar donos de carros, adiou pagamento de precatórios já julgados. Para além da economia, seu vale tudo eleitoral foi ainda mais deletério. Não teve quaisquer escrúpulos em inseminar dúvidas na população quanto à legitimidade do voto e, consequentemente, da democracia. Dos autointitulados salvadores da pátria, Bolsonaro é o pior tipo. Não à toa, estimula ser aclamado como mito.
Lula 3 ainda é uma incógnita. Por um lado, age como populista vulgar ao vociferar contra os “inimigos” mercado e taxa de juros, e ao ameaçar retrocesso nas privatizações e em leis regulatórias como a das estatais ou de saneamento. Fala que quer governar para os mais pobres. Mas deveria estar cansado de saber que nenhuma das brigas que criou até aqui beneficia esse público. Ao contrário.
Nessa conta não há espaço para narrativas ou tergiversação. Lula precisa estimular o crescimento e debelar a inflação, algo impossível de ser feito sem regras fiscais críveis. O ministro da Fazenda Fernando Haddad colocou no seu colo uma alternativa. Seguramente ela tem prós e contras; certamente afetará investimentos do governo, adiando algumas promessas de campanha. Resta saber o que vai falar mais alto: a popularidade imediata, defendida pelo PT, ou a concertação de que o país tanto precisa. O histórico de Lula é populista, mas ele já disse que não pode errar, que voltou para fazer História. É ver para crer. E torcer.
Fonte: Blog do Noblat
Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.