Eu não tinha brinquedos. 99% dos meus brinquedos eram cacarecos reaproveitados de colegas mais abastados. Ou brindes, como o boneco do arroz Brejeiro, ou um tigre da Esso. Eu brincava com eles, claro, mas era meio como fazer churrasco para comemorar saída de parente da cadeia: era divertido mas dava vergonha.
A parte fundamental da minha, vá lá, “dieta alimentar” era composta pelo que eu chamava, jocosamente, de “derivados de frango”: eram ovos fritos na segunda, mexidos na terça, omelete na quarta, cozidos na quinta, ovos com repolho na sexta. Por que repolho? Por ser mais barata: a única verdura que podíamos comprar. Mesmo assim, agradecíamos ao ver a mesa posta na hora do almoço: era comum, às 11h da manhã, não termos certeza se até essa refeição frugal teríamos.
Frango? Era como o título mundial do Palmeiras: as pessoas falavam mas ninguém acreditava. Carne? Era mais fácil para mim confiar na existência do Abominável Homem das Neves: pelo menos havia pegadas.
Vocês podem até não acreditar, mas fazia um pouco mais de frio no Rio de Janeiro dos anos 70 e 80: eu dormia no chão, com uma única colcha de cheline ou chenile – eu nunca sei – que me acompanhou por muito tempo. Cama era um luxo do qual só fui desfrutar alguns anos depois. Espartano, dirão vocês. Eu não conhecia esse termo na época e achava mesmo era uma droga.
Na minha família, havia um rigoroso código de conduta quanto ao trabalho infantil: considerava-se apto para trabalhar apenas e tão somente se você, ao sentar no vaso, conseguisse colocar os pés no chão. Assim sendo, desde muito guri eu acordava às 4 da madrugada e percorria as ruas do subúrbio e “comunidades”, na caçamba de uma Kombi, distribuindo jornais.
Tem coisas piores, dirão os que tiveram paciência – ou tempo ocioso – para ler até aqui. Sim, eu sei, e concordo. E é por isso que prefiro falar de outras coisas dos meus anos 70 e 80, após o que o menino gordinho ganhou altura, peso, e alguma “casca”, pela qual sou grato, e proporcionada pelos “anos espartanos” – eu chamava era de perrengue mesmo.
Como sou grato pelos livros, dos quais me aproximei por não ter brinquedos, pelo azul cobalto dos amanheceres de inverno carioca, aos quais assisti tantas e privilegiadas vezes, pela música que me acompanha até hoje.
E pelo menino ter crescido forte sob tantos aspectos e ter chegado até aqui, eu apenas agradeço.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.