12 de maio de 2024
Colunistas Fernando Fabbrini

Vamos tomar uma?

É no boteco da ONU que tudo se resolve.

Guarde o endereço: 405 E 45th Street, Nova York, EUA. É lá que funciona a ONU. Se for visitá-la, fique atento para não se perder no edifício enorme de 40 andares, centenas de salas, corredores e auditórios. Por lá circulam dia e noite indivíduos engravatados e apressados; mulheres de óculos usando terninhos; burocratas de todas as nações com gordos salários e benefícios.

Assim como acontece nas empresas e organizações internacionais, a ONU também tem proibições e sigilos: documentos cifrados, arquivos confidenciais e nomes codificados dos misteriosos agentes em ação pelos bastidores mundiais. No entanto, o maior e mais bem guardado segredo de lá acaba de ser revelado.

Há um barzinho escondido nos fundos do terreno da ONU de uso exclusivo de uma centena de privilegiados e totalmente vetado ao público. A decoração – já um pouco gasta, é verdade – exibe nas paredes imagens da Torre Eiffel, Coliseu, pirâmides do Egito, Muralha da China, Arco do Triunfo, Corcovado. As portas se abrem às seis da tarde e só fecham quando o último cliente vai embora: é o famoso “Vamos Tomar Uma, Porra!” – o boteco da ONU de nome democraticamente transcrito nas seis línguas oficiais da entidade.

Nós, cidadãos comuns, não tínhamos a menor ideia da importância desse pequeno estabelecimento para os destinos da humanidade. Porém, hoje sabemos que aquelas comissões de nomes pomposos da ONU existem apenas para despistar: as mais importantes conversações, acordos estratégicos e delicadas decisões têm como palco o recôndito e enfumaçado ambiente.

A bebida é de graça. Tem cerveja, vinho, uísque, vodca, gin, champanhe e até nossa inigualável caipirinha. Executivos tiram paletós, afrouxam gravatas, trocam piadas. Mesmo representantes de povos e crenças que proíbem o álcool ali se esbanjam; penduram os turbantes, os fuzis, as granadas e caem na gandaia. A mulherada adora: canta e dança rock, hip-hop, pop, funk, dança do ventre e – é claro – samba e pagode, os preferidos para animar a festa.

Enfim, o “Vamos Tomar Uma, Porra!” é responsável direto pela paz mundial e harmonia entre as nações. Devemos muito àquelas mesas capengas calçadas com bolachas de chope; às toalhas esburacadas, aos paliteiros de plástico e porta-guardanapos de papel, aos mictórios com bolinhas de naftalina. E temos motivos adicionais para orgulhar-nos: além da honra nos discursos de abertura das atividades da ONU – mérito de Oswaldo Aranha –, a ideia de montar o boteco foi também de um brasileiro.

Ele pensou em tudo; até num jeito de bancar o negócio com dinheiro público e ainda levar algum por meio da sua ONG “Biritas para a Paz”. Discreto, prefere manter-se no anonimato, porém é o frequentador mais assíduo e respeitado. Líderes dos cinco continentes aguardam sua chegada para assentarem-se à sua mesa, provar sua pinga disfarçada em garrafinha de água mineral e principalmente ouvir conselhos. Sua autoridade é providencial sobretudo em bate-bocas ou brigas de valentões; num bar sempre tem. Se Putin e Zelensky tivessem topado o convite para um papo e uma cerveja… mas fizeram birra, e a guerra continua.

Agora é o Oriente Médio. Mas o cara brasileiro já tranquilizou a turma num discurso. Declarou que em breve estará de volta para nova rodada de cerveja, bolinho de bacalhau, torresmo e moela ensopada, levando a rechonchuda patroa – companhia obrigatória. Como de hábito, ela comandará as rodas de samba enquanto os homens conversam, enchem as caras, resolvem as querelas e se abraçam. “Vamos lá, moçada!” – grita, sorriso escancarado, sovacos à mostra, sacudindo os quadris em rebolados carnavalescos.

Mais uma vez, o mundo civilizado poderá esquecer suas preocupações e dormir em paz.

Fonte: O Tempo

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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