19 de abril de 2024
Yvonne Dimanche

Memórias


Tivemos uma empregada chamada Dona Serafina. Não sei quantos anos ela tinha quando foi lá para casa. Preta idosa, super preta e, segundo ela, sua mãe foi escrava e parece que ela quase isso, mas já devia ter a Lei do Ventre Livre, enfim não sei ao certo.
Não falava uma palavra corretamente. Meu pai Guy, ela chamava de Seu José, eu era Vandinha, meu irmão, o mesmo Guy, era Guyu(*) e a única que ela acertava era a minha mãe Dona Maria.
Folgada até demais e a cozinha era dela. Nunca tirava folga, mas quando tirava era mais de mês. Seus pratos eram inigualáveis. Enfim, ela era da nossa família.
No apartamento abaixo do nosso vivia a família da xará dela, ou seja, Dona Serafina, mãe da Sonia Baptista Chaves e da Martha Baptista, mas ela a chamava de Dona Francelina. Não acertava nem o nome dela. Até que teve um dia em que ela contou uma história e disse “Vitória do Espírito Santo”. Minha mãe e minha tia pararam de respirar ao ouvirem essa pérola, rs.
Nessas horas eu lamento não ter vivido no tempo atual em que todos mundo é fotógrafo e cinegrafista. Teria tirado mil fotos dela e feito vídeos, mas não compartilharia os seus vexames linguísticos. Gostaria apenas de mostrar o quanto ela era linda aos meus olhos.
O que mais sinto saudade dela era do seu doce de banana e do esporro que ela me deu em um dia que fui desaforada com a minha mãe. Disse ela, obviamente com as palavras dela: “Vandinha, nem parece que você sentou no banco da ciência”.
Ela sabia que eu era estudiosa e boa aluna, mas banco da ciência foi um exagero gostoso, rsrsrs. Quanta saudade. Espero que ela tenha virado uma Preta Velha de Umbanda e que esteja me protegendo lá no outro mundo. Beijos Dona Serafina.
(*) Muitas pessoas que tiveram estudo simplesmente não conseguem falar GUY. Estranho, né?

O Boletim

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