19 de abril de 2024
Yvonne Dimanche

Lembranças da infância

Queridos leitores, na semana retrasada comentei sobre as comidas especiais que os meus parentes queridos faziam e que infelizmente agora habitam em outro astral. Lembrar daqueles pratos tão tolos mexeu um pouco comigo, fiquei meio saudosa de muitas coisas e gostaria de dividir com vocês algumas delas:

PALAVRÕES – Na minha época as crianças não falavam palavrões. No máximo dizia-se bunda. Os demais nem pensar, só que a gente conhecia alguns deles que eu não vou citar aqui obviamente. Só que rezava a lenda que um nome proibitivo era cu. Sim, o famoso cu. Era o grande tabu dos palavrões. Esse NEM PENSAR. Não podia falar nem por pensamento. Vejam só, o que tem a ver o dito CUjo com as calças? Até hoje eu não sei. No entanto, mesmo não falando palavrões, quando eu e meu irmão brigávamos a gente se xingava de “inocente”. Não sei de onde tiramos esse insulto. O mais engraçado era que quando a gente dizia isso em casa, todo mundo ria.

HINOS – Quem é mais velho lembra disso. Todos os dias antes do início das aulas os alunos formavam fila e a gente cantava o Hino Nacional. Tínhamos uma aula de música por semana e aprendemos todos os hinos brasileiros e outras músicas maravilhosas. A sofisticação era tanta em uma escola pública que até mesmo Villa Lobos era homenageado com a música do trenzinho e “O Canto do Pajé”. Alguém conhece? Eu detestava essa música. Hoje em dia eu a escuto e a emoção é grande. Enquanto as meninas cantavam “Oh Tupã Deus do Brasil…” os meninos ao mesmo tempo cantavam “Oh Guaracy …”. Se alguém quiser ouvir…

DITADURA MILITAR – Fiz o falecido primário (hoje da 1ª a 4ª série do ensino fundamental) de 1961 até 1964. Dessa forma, não sofremos nenhuma influência de governos militares, nem mesmo no último ano. No entanto, além dos hinos que cantávamos com muito orgulho, valorizávamos outros símbolos nacionais, como a nossa bandeira, o Dia do Soldado, desfile de 07 de setembro que eu adorava, enfim tudo era levado a sério. Vivíamos em uma época que dava um imenso orgulho ser brasileiro.

DITADURA MILITAR 2 – Já contei essa história em outra coluna, mas vocês já devem ter esquecido. Golpe militar no dia 31 de março (dizem que na realidade foi no dia 1º de abril, dia da mentira, mas…). Não me lembro se foi no dia 1º ou no dia dois. O caos instalado na cidade do Rio de Janeiro. Lembro de ver soldados no meu bairro, não muitos é verdade, mas tinha sim em um bairro residencial. Aulas suspensas, comércio fechado. As crianças proibidas de passarem da esquina. Ambiente de medo dos adultos e de alegria das crianças. Queríamos que aquele conflito durasse para todo sempre amém. Naquela época aprendi o que é câmbio negro, palavra que assustava. Câmbio negro para quem não tem amigos. Seu Oliveira, dono da quitanda bem na esquina da minha rua deixou a porta meio aberta. Na realidade uns 75% fechada e quando alguém precisava de alguma coisa, bastava bater na porta e ele nos vendia o que precisávamos, menos a carne e o leite que ficaram suspensos nesses dias. Quando as coisas melhoraram, só faltei chorar de tristeza. Queria a guerra para não ir à escola. Tempos mais tarde, vi o filme “Esperança e Glória” praticamente protagonizado por crianças inglesas que não foram para o interior do país na época da guerra. Lá pelas tantas, o colégio deles foi bombardeados pelos alemães. As crianças na maior felicidade e um deles bem no final do filme diz “Thank you Adolf”. Quando vi essa cena, imediatamente me lembrei de mim. Poderia ter dito “Thank you milicos”.

ASSOMBRAÇÕES – Rio de Janeiro, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz. Eu morava em um apartamento retangular. Sala, um corredor imenso do lado direito e do esquerdo dois quartos e o banheiro social. No fundo desse retângulo, tinha o terceiro quarto e uma varandinha muito pequena, só cabia uma rede. A falta de luz era uma festa, ficávamos todos na sala ouvindo histórias de fantasmas. Cada uma mais escabrosa do que a outra. Quando eu e meu irmãos estávamos no limite do terror, minha tia, que morou um tempo conosco, nos oferecia dinheiro (hoje seria uns cinco reais) para irmos até a varandinha e ficar lá por uns minutos. Nunca fomos.

COLHER VIRADA – Outra lenda do terror. Diziam que, bom quem dizia essa besteira eram as crianças mais velhas, caso colocássemos uma colher na boca para depois virá-la se tornava um gato. E quem teria coragem de fazer isso? Só doido. Até que um dia eu tomada de coragem fiz isso e nada aconteceu. Cheia de orgulho fui mostrar o meu grande feito para os amigos e todos ficaram chateados em um primeiro momento. Um grande jornalista falou (eu sei quem é, só que esqueci e não vou pesquisar) que quando a lenda é mais bonita do que a realidade, publique-se a lenda. Aprendi isso naquele dia.

Bom queridos, histórias não faltam. Poderia puxar pela memória e me lembrar de outras, mas vai ficar para uma outra oportunidade.

Um lindo final de semana para todos e até o próximo Boletim.

O Boletim

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